Movimento Zero. “Estamos a viver um clima de alta tensão”

Movimento Zero. “Estamos a viver um clima de alta tensão”


Movimento criado na plataforma Telegram já conta com 14 mil agentes e guardas. Objetivo: fazer greve às contraordenações que não ponham em causa a segurança dos cidadãos.


Ninguém assume a autoria do Movimento Zero, criado em maio deste ano, mas são muitos os que confirmam que já conta com o apoio de cerca de 14 mil elementos da PSP e da GNR. O objetivo é claro: protestar contra o Governo e as hierarquias, fechando os olhos a contraordenações e só atuando quando a segurança dos cidadãos está em verdadeiro perigo. O grupo foi criado na plataforma Telegram, uma espécie de WhatsApp, e apela aos polícias e aos guardas para adotarem uma postura pedagógica face aos autos de contraordenação.

Ao i, Jorge Rufino, vice-presidente da Organização Sindical dos Polícias (OSP/PSP), apesar de não fazer parte do Movimento Zero, mostra todo o seu apoio a esta iniciativa e explica os efeitos do movimento: “Basta dar uma vista de olhos pelos tribunais e perceber que estão às moscas, quase vazios”.

“Há situações às quais não podemos virar as costas, isso é óbvio. Mas o certo é que antes de este movimento entrar em ação, os profissionais procuravam muito e agora deixaram de procurar. E com isso os autos de contraordenação baixaram”, garante ao i. “Agora há um ou outro comandante que já começa a usar a pressão, a coação num ou outro departamento ou esquadra”. Para Jorge Rufino, não há dúvidas: “Estamos a viver um clima de alta tensão, por aquilo de que me apercebo na PSP. E acredito que também o sintam na GNR”, confessa.

Já Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, garante ao i – como mero espetador – que o que se está a pedir no grupo criado para este movimento é que, “sempre que os polícias possam reduzir a sua atividade sem comprometer a segurança das pessoas, devem fazê-lo”. E garante que a criação do Movimento Zero era “inevitável”. “Durante muitos anos, o Governo e a Direção Nacional da Polícia foram desvalorizando as reivindicações da polícia, as propostas dos sindicatos”, acusa. Esse fator fez com que houvesse uma necessidade de os polícias se unirem. “De uma coisa não tenho dúvidas: o facto de aparecer este movimento, só por si, já deixou um peso de responsabilidade nos ombros tanto do Governo como da hierarquia e já cria algumas preocupações”, uma vez que muitos polícias estão a praticar o que é pedido no grupo.

Para justificar um dos motivos que levaram tantos elementos das forças de segurança a aderir a este movimento, Jorge Rufino dá um exemplo que lhe é próximo. “O pessoal está muito revoltado. No outro dia, um colega meu fez uma detenção e do outro lado houve uma resistência por parte do suspeito”. Nesse sentido, o agente teve de recorrer à força física para algemar o suspeito, “que ficou com algumas mazelas, o que é normal quando as pessoas não colaboram”. Depois de ter sido chamada uma ambulância e de o suspeito ter sido encaminhado para o hospital, “procedimentos que devem ser efetuados”, o colega foi a tribunal “e saiu de lá como arguido”. Ao i, Jorge Rufino garante que casos como estes são recorrentes, deixando as forças de segurança de pé atrás.

Mas, ainda assim, a garantia fica dada: “O movimento não recusa nem nunca recusará auxílio a quem dela necessite por parte dos agentes. Nunca viramos as costas”.

 

“Comandantes acham que está tudo muito bem”

O vice-presidente da OSP/PSP avançou ainda com críticas aos comandantes da PSP. “Temos os senhores comandantes que acham que está tudo bem por vários motivos: têm salários superiores a quatro mil ou cinco mil euros, não trabalham nas noites, ninguém se chateia, não são agredidos, não são injuriados, não são difamados, não aturam borracheiras, não fazem rigorosamente nada quando comparados connosco”, acusa, alegando ainda que os ordenados que os agentes recebem são muito baixos, rondando os “700 e poucos euros durante 16 anos” – tempo até se poder passar a agente principal. “Enquanto um oficial de três em três anos é promovido para uma carreira imediatamente a seguir. Eu acho que isto revolta”.

As críticas passam ainda para a política, com Jorge Rufino a acusar os políticos “de não gostarem das forças de segurança. E nem os tribunais gostam dos polícias”.

A falta de ferramentas disponibilizadas aos agentes é também motivo de revolta. “Temos salários baixos, e com as poucas ferramentas que nos dão para trabalharmos temos apresentado trabalhos muito elevados. Agora imagine se nos dessem ferramentas”, refere.

Dos casos que conhece, Jorge Rufino garante que há falta de agentes, dando o exemplo de algumas esquadras fechadas a partir das 20h00 na subdivisão de Oeiras por não haver sentinelas à porta. “Cada vez temos mais competências e menos elementos. Depois, as pessoas não aguentam, andam stressadas e acontecem casos como os que temos visto”, disse, referindo-se aos suicídios cometidos por agentes da PSP.

 

Bairros problemáticos

O movimento está a pedir aos agentes que deixem de fazer patrulhamento nas zonas problemáticas, a não ser que consigam garantir a sua própria segurança. “Quando um, dois ou três polícias vão a uma ocorrência num bairro considerado sensível, é importante que esperem e peçam apoio a outros colegas para garantirem que a resolução da ocorrência não se transforme numa insegurança para os próprios polícias”, afirma Paulo Rodrigues. Sem esta medida, garante, os polícias são muitas vezes agredidos, sendo necessário usarem a força física “dentro do estritamente necessário”, o que só acontece “porque há um número reduzido de elementos”. Para poderem precaver-se de situações graves, Paulo Rodrigues garante: “O agente tem de, primeiro, garantir a sua segurança”.