O país com uma família. Onde está o provedor do doente?


Os pais da Matilde, uma bebé que nasceu com atrofia muscular espinhal, uma doença genética rara muito grave, agradeceram no fim de semana a generosidade dos portugueses que já contribuíram com quase um milhão de euros para que possam chegar a um novo medicamento que melhora as hipóteses de sobrevivência da sua filha.


Os médicos que se têm pronunciado reconhecem que, embora a cura não esteja garantida, este tratamento tem-se revelado mais eficaz do que os que estão disponíveis até agora, inclusive que a medicação recentemente comparticipada em Portugal para a mesma doença. Nos EUA, o único país em que está aprovado, foi fixado um preço de 2 milhões de euros pelo tratamento.

A farmacêutica justifica-o com o facto de ser um medicamento complexo, de toma única e não de medicação crónica, não sendo o valor distinto de outros medicamentos que são tomados ao longo de anos. É essa a quantia que a família está a tentar juntar, num momento em que a aprovação do medicamento na Europa ainda está em estudo pela Agência Europeia do Medicamento e, legalmente, um Estado-membro não o pode comparticipar sem que seja dado esse passo. Como em muitos momentos limite, os portugueses responderam ao apelo.

A hora é de ajudar, custa pouco. Quando tantas vezes se questiona a consciência cívica, está aqui: ninguém fica indiferente ao momento delicado que vive esta família e à esperança que, ao contrário de outras que passam pela crueldade de ver os seus filhos com doenças raras e não raras para as quais não existem tratamentos possíveis, vê nesta terapia, que surgiu a tempo de poder ser útil para a sua filha. Se é de confiar que o SNS assegurará os melhores cuidados, fica uma pergunta: não poderia haver um mecanismo que pudesse retirar dos pais o ónus de estarem preocupados com dinheiro num momento tão duro e até esclarecer a opinião pública? O projeto para criar um provedor do doente, figura que existe em alguns hospitais mas não tem ainda um âmbito nacional, poderia ser um caminho. E quantas mais vezes não será necessário.

Por fim: é legítimo uma farmacêutica pedir a uma família o mesmo que cobra a um Estado ou uma seguradora, num processo sujeito a negociações? Não é inédito medicamentos serem até cedidos sem custos. Se a Matilde e outras crianças tiverem, de facto, condições para fazer este tratamento, cá e na UE, onde o direito à saúde é um pilar, é obrigação de todos fazerem-no chegar o mais depressa possível.