Todos os anos, cerca de um milhão de adolescentes morrem devido a complicações de uma gravidez precoce ou desenvolvem lesões graves, na sua maioria irremediáveis. A maior incidência desta causa de morte, entre raparigas dos 15 aos 19 anos, regista-se na África subsariana, onde as adolescentes são sujeitas ao casamento no auge do seu desenvolvimento físico e emocional.
Na América Latina, o cenário não é melhor, com números perturbantes que traduzem o nascimento de filhos de mães que ainda não alcançaram os 15 anos. O Brasil e a Argentina lideram esta lista, com 21 mil partos e 3 mil, respetivamente. Mas outros exemplos são ainda mais duros de encarar, como o caso da República Dominicana: devido à dimensão deste problema e das consequências que daí emanam, ele foi considerado uma prioridade na agenda do Governo. Aqui, por cada 100 bebés que nascem, 22 são de pais adolescentes, uma taxa alta em conformidade com a pobreza daquele país.
As consequências das gravidezes precoces abrangem não só a mãe adolescente, de uma forma mais direta, mas também a própria sociedade, que testemunha o abandono da educação escolar, o aumento da taxa de desemprego, o recurso inevitável ao serviço nacional de saúde por complicações derivadas da idade muito jovem e por aí fora.
Nos países em desenvolvimento, as causas para as gravidezes precoces são variadas e multidimensionais. A ausência de planeamento familiar decorre de uma instrução escolar inexistente ou muito fraca, da cultura e tradição de cada comunidade e da falta de métodos anticoncecionais tão básicos como a pílula e o preservativo. Quando uma adolescente inicia a sua atividade sexual não dispõe da informação completa e necessária acerca dos riscos que pode correr no caso de não tomar as devidas precauções. À partida, esta fase do seu desenvolvimento, determinante para a construção do seu futuro, acontece sem qualquer preparação por parte dos pais ou da escola. A realidade do dia-a-dia sobrepõe-se ao futuro destas jovens, que não conhecem outras alternativas nem tão-pouco os impactos a que estão sujeitas após esta iniciação.
As organizações internacionais que estão no terreno a acompanhar estas jovens estimam que a introdução de métodos contracetivos poderia diminuir em 30% as mortes maternas e em 20% a morte nos recém-nascidos.
Em Portugal também temos mães adolescentes, apesar de toda a informação que corre e das campanhas de sensibilização. Os números têm vindo a diminuir, mas ainda são expressivos: cerca de 2 mil nascimentos de mães com idade entre os 11 e os 19 anos. Jovens que conhecem a maternidade numa idade prematura mas que, mesmo assim, prosseguem a sua “viagem” com uma convicção e amor que impressiona qualquer um que as acompanhe.
Desde 2007 que a Assembleia da República aprovou a legalização do aborto, em resultado do referendo que foi realizado, permitindo que qualquer mulher possa interromper a sua gravidez. A par desta legalização, no nosso país, a educação sexual ministrada em ambiente escolar é obrigatória há dez anos, bem como o acesso a consultas de planeamento familiar é uma realidade nos centros de saúde. Todavia, continuamos a ter quase duas mil raparigas que todos os anos dão à luz antes de atingirem a sua maioridade.
Uma decisão controversa e polémica para muitos que radicalizam e julgam facilmente os outros, mas para mim é uma decisão corajosa e que não está ao alcance de qualquer um. Por este mesmo motivo e por muitos outros, estas jovens mães deviam ser apoiadas de uma forma mais eficaz e concreta. Por norma, quem faz o acompanhamento destas mães recentes que não têm rede familiar, seja por abandono ou por ausência, são associações que se organizam para capacitar a jovem no papel de mãe, que causa sempre muita ansiedade, e incentivar ao seu regresso à escola, de forma que conclua o ensino obrigatório e esteja mais habilitada para enfrentar o mercado de trabalho.
O Estado tudo faz para que os números das mães adolescentes diminuam, desde a introdução de novas unidades curriculares no ensino oficial até à criação de mecanismos legais que permitam que se possa interromper a gravidez, deixando essa decisão livre a qualquer jovem que se encontre nesta condição complexa e impotente. Mas o que o Estado nega à partida é o apoio a estas duas mil mães que livremente escolhem correr o risco pessoal de serem mães, seja pelo motivo que for. Na devida proporção, o apoio que muitas associações providenciam a pensar no futuro destes filhos e das suas mães deveria ser uma responsabilidade assegurada pelo Estado na mesma medida em que apoia as jovens que optam por adiarem a maternidade. Falta equidade no tratamento diferencial a que somos sujeitos nas nossas decisões, estando subjacente uma penalização a quem escolha livremente outro caminho. Há duas mil mães que todos os anos são esquecidas pelo Estado. Isto é o que acontece quando a vida de todos nós é vista só com um olho aberto, neste caso o esquerdo…
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