Coreia  do Norte. O “olá rápido” que ficou  para a história

Coreia do Norte. O “olá rápido” que ficou para a história


Donald Trump foi o primeiro Presidente em funções dos EUA a visitar a Coreia do Norte. Trump e Kim Jong-Un falaram em grandes progressos e numa forte amizade, mas mal mencionaram a desnuclearização da península.


Pela primeira vez um Presidente em funções dos Estados Unidos pôs os pés na Coreia do Norte. Acompanhado pelo líder norte-coreano, Kim Jong-Un – que sorria e bateu palmas – Donald Trump atravessou a Zona Desmilitarizada da Coreia (DMZ), que divide a península em dois, dando 20 passos num dos países mais isolados do mundo. O momento – descrito como “um olá rápido” pelo próprio Trump – confirma uma viragem de 180º na política dos EUA quanto à Coreia do Norte, bem como uma amizade inesperada entre os dois líderes de países historicamente inimigos. Kim – que precisa desesperadamente de pôr fim às pesadas sanções internacionais contra o seu país – gabou a vontade do Presidente norte-americano de “apagar o triste passado e abrir um novo futuro”. Trump salientou os “muitos progressos, muitas amizades”, feitos nos últimos dois encontros com o líder norte-coreano. Contudo, se este é o ponto alto das relações entre Washington e Pyongyang, isso não se refletiu no projeto de desnuclearização da Coreia do Norte – que parece tão improvável como sempre.

“Para Kim Jong-Un isto é uma vitória enorme, que ele não teve de fazer nada para conseguir”, afirmou ao i Paul French, especialista na Coreia do Norte. A maioria dos analistas tem notado que “enquanto todos estes encontros continuam, não houve nenhuma diminuição do armazenamento de armas nucleares e mísseis da parte da Coreia do Norte”, como explicou à CNN Joseph Yun, ex-representante dos EUA na Coreia do Norte.

Ao mesmo tempo que não consegue nenhum avanço concreto nas negociações, Trump chegou a convidar o líder norte-coreano a visitar a Casa Branca, dando-lhe uma legitimação com que o seu pai e avô, Kim Jong-il e Kim Il-sung, nunca teriam sonhado. “Até agora, a política norte-americana baseou-se na premissa que a Coreia do Norte é um Estado vilão e deve ser tratado como tal. Podes negociar, mas com a noção de que eles estão má-fé. Isso desapareceu, a Coreia do Norte foi normalizada enquanto país”, considerou French. Que notou que a visita de Trump à Coreia do Norte, à semelhança dos seus dois encontros com Kim em Singapura e Hanói foram uma “ótima oportunidade fotográfica” para o regime norte-coreano – que sabe dar uma escala inaudita à propaganda de Estado e ao culto do líder.

Kim não parecia nada preparado para a prenda que lhe caíu no colo, oferecida no Twitter por Trump. “Se o secretário-geral Kim da Coreia do Norte vir isto, encontrar-me-ia com ele na DMZ, só para lhe apertar a mão e dizer olá”, escreveu o Presidente dos EUA, numa publicação em que anunciava a sua passagem pela Coreia do Sul, vindo da cimeira dos G20, no Japão. Questionado sobre a possibilidade de o pedido não ser aceite por Kim, Trump respondeu: “Claro que pensei nisso, porque se ele não tivesse aceite, toda a gente ia dizer: ‘Oh, ele levou uma tampa do secretário-geral Kim’”. Trump mostrou-se convicto de que o líder coreano o segue no Twitter, antes de acrescentar com um sorriso orgulhoso: “Muitas pessoas me seguem”.

 

Antecedentes

Apesar de ser a primeira vez que um Presidente em funções dos EUA pisa solo norte-coreano, não é a primeira visita de um Presidente à DMZ. Barack Obama visitou os cerca de 23 mil efetivos militares norte-americanos colocados na Coreia do Sul, mas limitou-se a observar o inimigo norte-coreano através de binóculos, a uma distância segura na DMZ. Obama mostrou-se vestido com um casaco de aviador, semelhante ao utilizado por muitos dos militares da força aérea norte-americana – cujos bombardeamentos mataram cerca de 10% da população civil da Coreia do Norte, entre 1950 e 1953. Algo que não poderia de despertar os traumas de Pyongyang, que ainda hoje refere frequentemente a guerra da Coreia. “Foi um processo completamente diferente [da visita de Trump], o objetivo era mostrar apoio aos militares na Coreia do Sul”, explicou French. “Ele queria mostrar que acreditava nas forças armadas, havia imensas pessoas de direita nos EUA que diziam que ele estava contra os militares” – o que não deixou de ser visto como uma provocação por Pyongyang.

 

Legado

A visita histórica do Presidente norte-americano tem sido vista como fruto da sua pressa deixar legado, à medida que se aproxima o fim do seu mandato e as eleições de 2020. “Ele quer uma vitória na política externa, e a Coreia é a única que vai conseguir”, considerou French, que lembrou a escalada das tensões com o Irão e o impasse na guerra comercial com Pequim. “Vemos nas fotos os sul-coreanos, Kim e Trump a conversar na DMZ. Falta é a China”, referiu o analista, assinalando que o aliado histórico da Coreia do Norte “não deve ter ficado nada contente ao ver isto. É menos um problema para Donald Trump”.

A visita de Trump à DMZ ocorreu pouco depois do anúncio um cessar-fogo na guerra comercial com a China – com Trump a abdicar de impor sanções em cerca de 300 mil milhões de bens chineses exportados para os EUA. Face a isto, o encontro histórico com Kim “é uma manobra muito inteligente da parte de Trump, porque flanqueia Xi Jinping [Presidente chinês]”, num momento em que Trump precisa de ganhar rapidamente vantagem sobre o seu rival chinês. O Presidente dos EUA “não quer nada estar numa guerra comercial, ao mesmo tempo que um possibilidade de uma guerra com o Irão se torna cada vez mais real”, disse French. Não que Pequim tenha mais capacidade para prolongar o conflito, dado ter uma economia dependente de exportações – muitas delas para o mercado norte-americano – que representam quase 20% do PIB.

Apesar de ter a economia do seu lado, Trump tem contra si o facto de apenas 39% dos eleitores apoiarem a guerra comercial, segundo uma sondagem da universidade de Quinnipiac, citada pela CNBC – algo que ganha ainda mais peso estando o Presidente em campanha. “Apesar de Trump não conseguir dar um KO à China, pode recuar um pouco, conseguir um acordo”, considera French. Um cenário que, não sendo uma vitória plena, pode ser apresentado pela administração como tal – e aumentar a probabilidade do Presidente continuar na Casa Branca após 2020. O que é certo, é que com a sua visita à Coreia do Norte Trump conseguiu fazer história no seu mandato, apesar das críticas de potenciais candidatos democratas à presidência, como Joe Biden, que rejeitou “os mimos do Presidente Trump para com ditadores, à custa dos interesses e da segurança nacional americana”.