Durante a minha adolescência, na longínqua década de 80, o pânico da maioria dos pais era que o seu filho aparecesse com os olhos vermelhos, vidrados ou dilatados. Normalmente, isso indiciava uma de duas coisas: ou o cloro da piscina onde praticava natação estava com níveis altos ou o filho andava na passa – expressão geralista que englobava qualquer tipo de consumo de drogas.
Não havia informação, o controlo era uma anedota, o acesso, embora mais difícil do que hoje, não era um entrave e, de forma inequívoca, a droga foi um problema bastante generalizado, e não apenas nos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto.
Na década de 90 e já nestes quase 20 anos deste milénio, o acesso à droga aumentou. É mais fácil de adquirir e a oferta e os tipos de droga aumentaram também. Mas ao mesmo tempo existe também mais informação, prevenção e combate.
Desde 2001 que a aquisição, a posse e o consumo de drogas deixaram de ser considerados crime. Consumir drogas ilícitas continua a ser um ato punível por lei, mas deixou de ser um comportamento alvo de processo-crime e passou a constituir uma contraordenação social.
Mas porque estou a abordar este tema e qual a curiosidade em relação ao mesmo?
Embora seja mais fácil adquirir e consumir, eventualmente por força da descriminalização, os números mostram que, aparentemente, o consumo diminui, assim como os problemas causados pelo mesmo.
Esta semana deparámo-nos com a notícia de um estudo do serviço do Ministério da Saúde que avalia os comportamentos aditivos e dependências, dando nota de que um em cada quatro jovens de 18 anos admite que teve, no último ano, problemas por causa da utilização da internet.
Com uma amostragem de inquérito a 66 mil jovens, 25,9% relataram problemas com a internet, registando um aumento de 3% em relação ao último inquérito, realizado em 2017.
Será que escolher livremente o prestador de serviço de internet, aumentar o pacote de dados ou ter acesso a Wi-Fi em todo o lado está a criar problemas mais graves?
Estamos perante números que, embora resultem de uma amostragem, causam apreensão e me levaram a fazer a seguinte analogia: poderemos tirar ensinamentos da descriminalização do consumo e uso de drogas e aplicá-los à liberalização do setor das comunicações?
Até ao início do milénio, a oferta de acesso e de serviços relacionados com a internet era inexistente ou bastante escassa. A evolução tecnológica agregada à liberalização do setor, que nos permitiu um acesso indiscriminado à internet e à tecnologia, espoletou um novo fenómeno e problemas que ainda não compreendemos.
Brincadeiras à parte, a verdade é que o número de jovens de 18 anos com problemas pelo uso da internet é superior ao número de jovens com problemas de consumo de álcool (21%) ou drogas (9%).
Acresce ainda que, segundo a mesma fonte, a internet é responsável por 15,9% dos problemas de rendimento na escola ou no trabalho e, espante-se, por três vezes mais problemas que os causados pelo álcool (4,4%) ou quatro vezes mais que os causados pelas drogas (2,9%).
Ao olhar para estes números, deparo-me com duas questões: será que a descriminalização do consumo e uso de drogas (que, na prática, é uma liberalização regulada) foi eficaz? Será que deveríamos equacionar uma intervenção regulatória idêntica para o consumo e uso de serviços digitais?
Como se controla este problema? Esta massificação do digital está a afastar-nos da realidade? Está a criar eremitas digitais? Estará a criar clivagens e problemas sociais mais graves que os da droga?
A verdade é que a liberalização do setor das comunicações focou-se apenas no fenómeno económico e não foi acompanhada por uma atenção de cariz mais social, atenta aos fenómenos de integração, exclusão ou interação. O mote foi: temos de estar sempre ligados.
Quando estamos à beira de uma nova revolução tecnológica (com a introdução do 5G) não fará sentido pensar nos impactos sociais que dela poderão advir? É que, se a interligação das pessoas com a tecnologia nos últimos tempos nos trouxe estes problemas, mas que são na verdade alertas, a próxima geração tecnológica irá muito mais além. As máquinas e a nossa interação com elas aumentarão exponencialmente e, por conseguinte, aumentarão certamente os problemas.
Por isso, devemos legalizar ou liberalizar?
Escreve à quinta-feira