Crónica sobre centrão e cleptocracia


A independência do poder judicial e da investigação penal são a última fronteira antes da captura final do país pelos vampiros.


Passados já mais de 40 anos sobre a implantação de um regime propagandeado como alegadamente democrático, por estas bandas, começa a ser difícil esconder os sinais sobre a farsa do que nos vêm vendendo a este respeito e do logro em que nos mantêm e nos mantemos, sem o necessário ruidoso protesto.

É difícil, por estes dias, conviver calado com a cleptocracia que se instalou e que há décadas, para invocar a frase feliz de um homem de esquerda (e citada amiúde por um leitor crítico), vem sugar o sangue fresco da manada.

O fenómeno é, aliás, de tal forma evidente para todos, menos nós, os que olham objectivamente para a nossa realidade, que até o nosso Governo já se sente compelido a pressionar a OCDE para excluir o evidente fenómeno dos relatórios sobre Portugal.

Os portugueses, porém, não sei se por indesculpável distração se por conivente omissão, apresentam níveis de tolerância ao generalizado fenómeno que deviam fazer-nos pasmar ou ser fulminados de vergonha.

Sob o manto diáfano da tal democracia já ressaltam, evidentes, muitíssimos e variados sinais de que o país está podre e que o centrão, mas não só, se esforça por uma campanha de branqueamento acelerado, de encobrimento estratégico e de demagogia básica para perpetuar o assalto ao pote das moedas de um país exaurido pela dívida pública e empobrecido pelo saque fiscal, essencialmente sustentado por uma classe média em declínio e que definha em silêncio ordeiro.

É, pois, impossível – a quem sobre uma réstia de probidade e de respeito pela res publica – fazer como Paulo Rangel, relativamente ao seu correligionário de partido arguido num caso em que se discutem fundos públicos (independentemente da sua garantida presunção de inocência), que veio defender que nada impede que este aguarde o veredicto da justiça em funções.

Que espécie de sinal julgam os eleitos estar a passar aos seus eleitores quando, num cenário em que fenómenos de corrupção generalizada como aqueles que ora estão em instrução, e outros com condenações transitadas em julgado, vêm ligados a altos quadros políticos e partidários, se defende a manutenção em funções de alguém sobre quem o Ministério Público diz existirem fundadas suspeitas de irregularidades cometidas com dinheiros públicos?

É bem verdade que à boa maneira das comissões de inquérito da AR, onde se perfila essa nova tendência na forma de depor, o actual Governo também está cheio de pessoas que nada viram nem nada recordam relativamente a um mundo infindável de situações que deram, umas, acusações, outras, certidões para novos inquéritos que correm ainda, e outras tantas os inquéritos parlamentares onde, um a um, se explicam, ou se tentam ocultar, dependendo, os milhares de milhões de euros que se perderam na CGD em espetáculos tão pouco edificantes como as guerras pelo poder no BCP e na PT, a venda da Vivo ou a compra da Oi.

E se fosse preciso sinal mais evidente de que o sistema é absolutamente impenitente e cínico e, sobretudo, impermeável à ética e ao sentido de Estado, bastaria atentar às recentes declarações de António Costa no sentido de que elege como prioridade o combate à corrupção, dias antes de se saber que é sua intenção sugerir a promoção do número dois do Governo de José Sócrates (e porventura o seu mais acérrimo defensor e mimético seguidor), Pedro Silva Pereira (PSP), para vice-presidente do Parlamento Europeu.

Outra vez, não está em causa qualquer eventual responsabilidade penal de PSP, mas quem se recorde do muito que se publicou na comunicação social das relações perigosas de Pedro Silva Pereira e sua família com um certo fausto socrático e parisiense, onde não falta a presença de Carlos Santos Silva, com ou sem acusação penal, não pode deixar de sentir o sistema a gozar com o pagode e o gosto amargo do cinismo de Costa a servir ao país mais um prato do tal desregrado nepotismo irresponsável que distribui tão graciosamente pelos ungidos do PS.

Sobre combate à corrupção e moralização da vida pública estamos, pois, conversados.

Olhe-se, agora, à sagrada aliança do PS/PSD para atacar o poder no Ministério Público, recorde-se rapidamente estes dois casos e reflicta-se por que razão o sempre complacente Marcelo decide ligar à PGR em funções, solidário com a greve dos magistrados.

Os tempos são de apreensão e medo. Já o disse aqui: é hoje muito evidente que o juiz de Aveiro viu, e bem, o que o sistema de que falamos, dos Pintos Monteiro, Noronhas do Nascimento e tantos outros, se esforçou por branquear e destruir, e como o poder executivo teve o poder de acabar em três tempos com uma investigação do poder judicial, mesmo sem alterações à lei.

A independência do poder judicial e da investigação penal são a última fronteira antes da captura final do país pelos tais vampiros. Quando esta for capturada, como pretendem Rio e Costa, o saque que já é, a acreditar na amostragem, mais ou menos generalizado tornar-se-á também despenalizado e a cleptocracia em que, como tudo indica, já vivemos estará então institucionalizada de vez.

 

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990