Fronteira. O retrato dramático de uma crise humanitária nos EUA

Fronteira. O retrato dramático de uma crise humanitária nos EUA


Óscar Ramírez morreu afogado no Rio Grande a tentar salvar a sua filha Valéria. Queriam asilo nos EUA, para escapar à pobreza e à violência.


Não faltam demonstrações dos perigos enfrentados pelos imigrantes que cruzam a fronteira entre o México à procura do american dream. Desta vez foi a foto de Óscar Alberto Martínez Ramírez, de 26 anos, e a sua filha Valéria, com menos de dois anos, afogados enquanto tentavam cruzar o Rio Grande, para pedir asilo nos EUA, vindos da sua terra natal, El Salvador – onde a pobreza extrema e a violência dos gangues se tornou epidémica. A foto tem sido comparada com a imagem de Alan Kurdi, um rapaz sírio de três anos, que morreu afogado em 2015, na costa da ilha grega de Kos.

Martínez Ramirez terá chegado à cidade fronteiriça de Matamouros este domingo, com a sua filha e a sua esposa, Tania Vanessa Ávalos, na esperança de pedir asilo às autoridades dos EUA – um direito garantido pela lei norte-americana. Aí souberam que poderia demorar semanas até que fosse sequer iniciado o processo de asilo – sem qualquer garantia de sucesso.  Enquanto isso, a família ficaria confinada num campo para migrantes, do lado mexicano, onde a comida escasseia e as temperaturas chegam aos 43 ºC. Terá sido então, desesperado, que o pai de Valéria decidiu atravessar o Rio Grande a nado, segundo Julia Le Duc, repórter do La Jornada. 

“Ele atravessou primeiro com a rapariga pequena e deixou-a no lado americano. Depois voltou atrás, para ir buscar a mulher, mas a menina entrou na água para ir atrás dele. Quando ele foi salvá-la, a corrente levou-os a ambos”, contou Le Duc ao The Guardian. 

As mortes na fronteira não são novidade, mas é possível traçar uma ligação direta entre a política da administração de Donald Trump e a morte de Ramírez e da sua filha. Foi Trump que introduziu a regra de admitir apenas um certo número de pessoas que procuram asilo por dia, fazendo do México uma espécie de sala de espera dos EUA – deixando cada vez mais pessoas à porta. Que podem ficar meses à espera, em campos à beira da rutura, vulneráveis à violência a que tentaram escapar, viajando milhares de quilómetros. 

Não há maneira de saber quanto tempo estas pessoas ficarão impedidas de exercer os seus direitos, dado que não há maneira oficial de marcar audiências de asilo. Só em Matamouros aguardam 300 pessoas, em filas sem fim, segundo Le Duc. Têm pela frente uma longa espera até concretizarem o sonho americano – tendo em conta que só há três entrevistas por semana.

Ainda este domingo, três crianças e uma mulher foram encontradas mortas por insolação e desidratação, no Parque de Anzalduas, no Texas. Somando mais quatro às dezenas de migrantes que pereceram, só este ano, a tentar cruzar a fronteira do México – na sua maioria oriundos da América Central.

 

Auxílio No mesmo dia da descoberta dos corpos de Ramírez e Valéria, os democratas aprovaram na Câmara dos Representantes um pacote de quase quatro mil milhões de euros em ajuda humanitária para a fronteira. Um dia depois das autoridades norte-americanas terem de transferir 249 crianças migrantes, separadas das suas famílias e mantidas num centro de detenção com condições desumanas.

O pacote inclui restrições explícitas ao uso dos fundos, que não poderão servir “nem para rusgas da imigração, nem para camas em centros de detenção, nem para um muro na fronteira”, disse a presidente do comité de verbas da Casa dos Comuns, Nita Lowey. Como tal, o pacote dificilmente passará no Senado, onde os republicanos têm maioria. Mesmo que passe, a Casa Branca informou que Trump vetará a lei, caso lhe chegue à secretária “na sua forma atual”.