Começa amanhã em Mérida, e vai até 25 de Agosto, o famoso Festival Internacional de Teatro Clássico que, como é habitual, apresenta peças inspiradas na dramaturgia clássica – Sansão e Dalila, Dionísio, Antígona, Prometeu, etc. –, representadas no fabuloso Teatro Romano, à noite. Quem conhece o monumento, mesmo ao lado do também grandioso Anfiteatro Romano, imagina o quão memoráveis devem ser estes espectáculos.
De resto, a cidade, a antiga Emerita Augusta, é toda ela uma espécie de museu romano a céu aberto, não obstante o Museu Nacional de Arte Romana, edifício que se destaca pela traça e pelas dimensões, em perfeita harmonia com o anfiteatro e teatro romanos que lhe ficam perto, detentor de magníficas colecções de escultura e mosaicos romanos. Se a cidade em si tem pouco interesse arquitectónico, o que lhe confere grande interesse é o facto de a cada dobrar de esquina nos depararmos com testemunhos da época romana, e não estamos a falar apenas de algumas ruínas ou vestígios arqueológicos. Numa mesma rua e a espaço de poucos metros encontramos, por exemplo, o Pórtico do Fórum e o Templo de Diana – assim conhecido, embora erradamente, pois era dedicado ao culto imperial –, ambos consideravelmente bem conservados. O Templo de Diana, porém, mais bem conservado, tem no seu interior uma construção do séc. xvi, o palácio renascentista do “Conde de los Corbos”, mais conhecido como “Casa de los Milagros”. Parece que, à data, o templo estaria quase todo soterrado e o nobre senhor resolveu aproveitar o sítio, e as pedras, para aí plantar a sua nobre morada. Aliás, nada que se não tenha visto noutras paragens e em época bem mais recente, mas já lá iremos. Por ocasião dos trabalhos de restauro do templo chegou a ser decidido demolir o palácio ali encaixado, mas em boa hora se optou pelo contrário, e templo e palácio acabaram juntos e restaurados. Continuar a enumerar e a descrever o que Mérida tem para ver dava para elaborar um roteiro turístico, o que não é o caso. No entanto, aqui ainda vai caber referência à ponte romana sobre o Guadiana que, independentemente da dimensão, do valor histórico e cultural associado e do actual estado de (perfeita) conservação, tem uma característica de assinalar: sensivelmente do meio da ponte saem duas descidas, empedradas, para a ilha, hoje transformada em parque municipal. São várias as ilhotas que povoam o rio; aqui e mais além avistam-se tufos exuberantes de árvores e arbustos, rododendros floridos dão cor e expressão a estas plataformas encravadas no Guadiana, que aqui corre farto e langoroso; a ilha, distinta na extensão e no porte, recebe e aconchega quem por ali caminha, pedala, passeia ou descansa à sombra. Diferente, a ponte, portanto.
Ora, quem é natural de e vive em Braga, a outrora imperial Bracara Augusta, e tem noção do quanto a ignorância, o descaso, interesses e desinteresses reduziram a cidade a uma “augustinha” da memória do esplendor da época romana, não se conforma com a tibieza político-cultural a que, por décadas, foi votada a cidade. Em nome do progresso se destruiu, construiu sobre, pilhou e abandonou o valioso legado arqueológico que permanece enterrado. Até mais ver.
Gestora
Escreve quinzenalmente, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990