Apesar dos ventos de progresso que sopram pelo mundo fora e de inovações que supostamente tornam a nossa vida mais fácil, as sociedades modernas têm também formas poderosas de condicionar a nossa liberdade e as nossas escolhas. A vida do homem moderno está cheia de promessas bonitas, mas também de armadilhas ardilosas.
Aos poucos, muitos de nós começam a aperceber-se de que estão presos a rotinas que não escolheram e não conseguem mudar. Aspetos absolutamente cruciais da nossa existência, como decidirmos como usamos o nosso tempo ou escolhermos quantos filhos queremos ter são trocados por uma perspetiva de carreira ou pela ilusão de um salário mais elevado.
Em entrevista publicada nesta edição, a demógrafa Maria João Valente Rosa explica que existe entre as mulheres portuguesas um desfasamento entre o número médio de filhos que gostariam de ter e aquele que têm realmente. Se cada mulher tivesse os filhos que deseja, a natalidade não estaria nestes valores preocupantes.
E é surpreendente como se faz tão pouco para resolver esta questão decisiva. Há uns meses, por exemplo, Rui Rio balbuciou uma proposta, mas retirou-a envergonhadamente às primeiras críticas.
Não é com boas intenções ou com aproximações ideológicas que se resolve o problema. Há medidas concretas à espera de serem tomadas. Por exemplo, fará sentido que, num país para o qual a natalidade é uma questão de sobrevivência, as famílias com filhos tenham de viver angustiadas com a possibilidade de não haver vaga no infantário? Ou que, em alternativa, tenham de pagar valores proibitivos? Atenção: esta questão afeta os pais, mas também aqueles que até gostariam de ter filhos, mas não querem passar pelo mesmo e recuam perante essa perspetiva.
É por estas e por outras que chegámos a um ponto em que ter filhos se tornou uma espécie de luxo. Não um luxo como um Rolls Royce ou um colar de diamantes, mas outro tipo de luxo, como fazer aquilo de que se gosta ou dispor do próprio tempo. Um luxo daqueles a que só se pode dar, no fundo, quem sabe o que é realmente importante para si e não se importa de prescindir de tudo o resto.