Depois da aprovação, no Parlamento, do fim de quase todas as taxas moderadoras, o PS vai propor no debate da especialidade que as regras e contextos em que são aplicadas taxas no SNS fiquem a cargo da Direção Geral da Saúde e da Administração Central do Sistema de Saúde, pretendendo que essa responsabilidade fique definida na lei.
O dossiê sofreu um revés no fim de semana, quando o Governo deixou claro não haver margem orçamental para acabar com todas as taxas. O Bloco de Esquerda acusa o PS de recuo, depois de a 14 de junho apenas o CDS ter votado contra a proposta do BE para rever o decreto-lei de 2011 e garantir a dispensa de taxas nos cuidados primários e em todas as consultas e atos complementares prescritos por médicos no SNS, o que significaria que existiria apenas taxas nas urgências.
Ontem o “Público” noticiou que a isenção pode vir a depender do encaminhamento pela linha de Saúde 24 ou da frequência de consultas. Ao i, a deputada socialista Jamila Madeira diz, no entanto, que essas são matérias que o PS não vai detalhar na especialidade. O que pretende a bancada socialista, explica, é que a lei atribua a responsabilidade de definir a orientação de doentes e as regras de aplicação de taxas às entidades competentes.
“O PS acredita que as taxas existem para moderar, não existem para inibir acesso, que foi o que tivemos nos últimos anos. Mas não queremos que, ao retirar este processo, deixemos de orientar os utentes”, disse a deputada, recusando qualquer recuo do PS. Ontem também o líder da bancada socialista Carlos César insistiu que o PS “vai fazer o que disse” no debate das taxas moderadoras, embora na altura não tenha sido referida a intenção de fasear a medida ou de envolver a DGS ou ACSS.
Jamila Madeira diz que o PS votou a favor do “princípio”, admitindo já alterações na especialidade. No debate de 14 de junho, a deputada referiu haver nuances, que na altura não foram clarificadas. Com esta nova posição em cima da mesa, o fim da cobrança de taxas pode não vir a ser uma realidade para todos os utentes. O debate na especialidade também não está calendarizado, o que com o fim da sessão legislativa à porta aumenta a neblina.
“O Parlamento não trabalha na base do achismo”, defendeu ao i a deputada, justificando assim a necessidade de envolver a DGS e ACSS na revisão das taxas a partir do histórico de utilização do SNS. “Não queremos um overload que não sirva o acesso e sirva apenas para dizer que não existem taxas moderadoras. Se houver um utente que for todos os dias ao centro de saúde, pode ter necessidade. Mas poderá haver um utente que vá todos os dias sem necessidade e faz com que outra pessoa não tenha acesso. Não cabe ao Parlamento definir as regras”.
Ter de pagar táxi pode ser uma barreira maior
Para o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, as taxas não são hoje uma barreira de acesso “significativa”, tendo em conta os seis milhões de utentes isentos. Ainda assim, Rui Nogueira defende que uma diminuição progressiva do valor das taxas poderia aproximar a população dos centros de saúde.
No imediato, Nogueira acredita que o fim das taxas nos exames pedidos pelos médicos seria a medida com mais impacto, reconhecendo que há doentes que não fazem todos os exames por falta de dinheiro. O médico propõe ainda a subida do patamar de isenção por insuficiência económica, hoje nos 653,64 euros de rendimento mensal. “A conta é feita pelas Finanças e há pessoas que são excluídas por terem algum património mas que não lhes dá rendimento. Se precisarem de muitos cuidados, têm dificuldades.” O médico defende ainda que é essencial resolver a falta de transportes. “Em zonas com menor acessibilidade, pagar um táxi acaba por ser um entrave maior ao acesso do que a taxa moderadora”, exemplifica.