Para as futuras Nobel

Para as futuras Nobel


As universidades, como o Técnico, pretendem recrutar os melhores e garantir o seu desenvolvimento pessoal e profissional. Como o talento está uniformemente distribuído, estamos a tentar mostrar que todas as áreas, mesmo as mais técnicas e fundamentais, estão naturalmente acessíveis a todos, homens e mulheres.


Em 2018, apenas pela terceira vez, o Prémio Nobel da Física foi atribuído a uma mulher, Donna Strickland. Maria Goeppert Mayer tinha recebido o Nobel em 1963, e Marie Sklodowska Curie em 1903, feito que repetiu em 1911 com o Nobel da Química – a única pessoa galardoada em duas áreas científicas distintas –, mas outras mulheres não viram as suas contribuições reconhecidas. No Técnico estamos a desenvolver um conjunto de iniciativas que possam garantir que o talento de todas as mulheres – alunas, investigadoras e docentes – têm as mesmas oportunidades e que todas as suas contribuições são reconhecidas [1], das engenheiras às futuras Nobel.

Na física, os casos mais emblemáticos de contribuições não reconhecidas com o Nobel são Jocelyn Bell Burnell, relativamente à descoberta dos pulsares, e Lise Meitner na descoberta da fissão nuclear. Jocelyn Burnell era ainda estudante quando fez as observações que conduziram ao Nobel da Física de 1974. Lise Meitner colaborou de igual para igual com Otto Hahn, Nobel da Química de 1944, durante mais de 30 anos. O seu mentor foi Max Planck, um dos mais influentes físicos alemães. Em 1922 foi a primeira mulher professora na Universidade de Berlim (e, provavelmente, da Alemanha), mas a sua aula inaugural sobre “A significância da radioatividade para os processos cósmicos” foi descrita num jornal de Berlim como sendo sobre “processos cosméticos”! [2]

As universidades, como o Técnico, pretendem recrutar os melhores e garantir o seu desenvolvimento pessoal e profissional. Como o talento está uniformemente distribuído, estamos a tentar mostrar que todas as áreas, mesmo as mais técnicas e fundamentais, da matemática à engenharia aeroespacial, da engenharia química à engenharia civil, estão naturalmente acessíveis a todos, homens e mulheres, e em todas estas áreas existem desafios intelectuais para os melhores talentos e potencial para um impacto direto na vida das pessoas.

A sociedade tem de compreender que existem muitos role models de engenheiras e cientistas que diariamente contribuem para melhorar a vida de todos nós. Foi para dar visibilidade a mulheres exemplares nas respetivas áreas que o Técnico criou o Prémio Maria de Lourdes Pintasilgo, o qual tem reconhecido informáticas, biólogas, químicas, físicas, gestoras ou matemáticas. Estas mulheres inspiram outras mulheres, mas também acreditamos que podem inspirar homens a serem excecionais.

O papel dos mentores é fundamental no desenvolvimento da carreira. Este aspeto é particularmente importante para as mulheres nas universidades. Segundo dados da DGES de 2016, nas universidades e na categoria de entrada na carreira, professor auxiliar, 54% eram homens e 46% mulheres, mas no topo da carreira, professor catedrático, 77% eram homens e 23% mulheres. As direções das maiores unidades de investigação em Portugal revelam enviesamentos equivalentes, apesar de algumas honrosas exceções.

Em geral, o acesso ao topo das carreiras mais exigentes, onde se inclui naturalmente a academia e a investigação, implica um conjunto de experiências e competências críticas. Os passos que devem ser tomados para adquirir estas experiências exigem planeamento de médio prazo e, quando associados à carreira universitária e na sua combinação com a vida familiar, empenho institucional e apoio do núcleo familiar. Por exemplo, as licenças de parentalidade implicam a interrupção das atividades de investigação, as mais críticas para a progressão na carreira académica. Por isso, no Técnico, todas e todos os que beneficiam de uma licença de parentalidade alargada (mais de 100 dias) podem solicitar um semestre de dispensa de atividades letivas para que se possam focar em retomar os seus projetos de investigação científica. Sabendo-se que as licenças de parentalidade são geralmente usufruídas pelas mães, pretende-se não penalizar as mulheres e criar condições para que tenham iguais oportunidades para chegar ao topo e podermos rapidamente eliminar o viés da participação feminina no topo da carreira académica ou científica.

É fundamental, no entanto, não esquecer que, para que as mulheres possam chegar ao topo sem penalizações, os homens devem também ser parceiros ativos nesta transformação, para uma sociedade mais inclusiva, diversificada e melhor para todos.

O exemplo do Prémio Nobel é aqui também muito útil. O matemático sueco Magnus Gösta Mittag-Leffler, membro do comité Nobel e um defensor dos direitos das mulheres, consultou Pierre Curie logo que soube da nomeação pela Academia Francesa de Ciências de Pierre, mas não de Marie, para o Nobel de 1903. Na resposta, Pierre Curie escreveu “If it is true that one is seriously thinking about me [for the Nobel Prize], I very much wish to be considered together with Madame Curie with respect to our research on radioactive bodies”. [3]. E, assim, o Prémio Nobel da Física de 1903 foi atribuído a Marie e Pierre Curie (e a Henri Becquerel).

 

[1] https://tecnico.ulisboa.pt/pt/viver/dia-a-dia/diversidade-e-igualdade-de-genero/

[2] O elemento meitnério da tabela periódica, com o número atómico 109, reconhece Lise Meitner

[3] https://www.nobelprize.org/prizes/themes/marie-and-pierre-curie-and-the-discovery-of-polonium-and-radium

Presidente do conselho científico

do Instituto Superior Técnico

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