As sociedades atuais são aceleradas, quase tudo é vertigem, volátil e descartável. É esse o impulso do mundo digital, da massificação urbana e dos ritmos quotidianos. Habitámo-nos a ter à mão, a ter disponível, a usar e a partir para outra, numa diversidade de expressões de consumo. É claro que, aquém desta referência média, persistem ainda os excluídos, à margem, num quadro de desigualdade, de exclusão e de injustiça que os grandes avanços da humanidade persistem em não quer ou não conseguir resolver.
Viemos da ditadura, em que não havia direitos, para um quadro democrático de afirmação crescente de direitos, de melhorias da qualidade de vida e de superação de patamares de evolução individual e comunitária que entraram numa fase de estagnação. É evidente que no plano simbólico, nos vão entretendo com agendas que compõem situações de desequilíbrio que perfazem o quadro de uma sociedade moderna, mas não é aceitável que isso seja feito enquanto se assiste a degradações de acessos a direitos, à indigência de serviços públicos e a realidades que só sobrevivem à avaliação do grau de satisfação por confronto minimalista com realidades negativas de anteriores governações.
A disponibilidade, o acesso e a facilidade de usufruto cederam o seu lugar à espera. Hoje esperamos demasiado em muitos serviços. O problema é que o Estado acaba por contagiar o privado para uma convergência de mínimos. O paradoxo é que a aceleração digital não é acompanhada pela realidade, do quotidiano, dos ritmos de vida e das disponibilidades. Houve um tempo em que nada tínhamos, governava Salazar, houve vários tempos, em democracia, em que, sobretudo havendo recursos financeiros, havia quase tudo, agora estamos mais no domínio da espera. O cidadão, o cliente ou o utilizador deixou de ter os bens, os serviços ou as experiências á mão de semear. Voltámos a ter de adaptar as nossas necessidades às disponibilidades materiais ou temporais das ofertas, dos serviços ou das soluções. Costumo dizer que no Alentejo vive-se a vida ao ritmo certo, não é bem o que estamos a experimentar.
Quando as respostas correntes ou excecionais se colocam no plano digital, o problema é existirem ainda muitos cidadãos que não têm acesso a essa realidade, que não estão familiarizados com as ferramentas e precisam do contacto pessoal. É ver a dificuldade que existe atualmente para falar com alguém para resolver um problema, das operadoras de telecomunicações à Segurança Social, em revoadas de questionários, pressão de teclas em função de opções e impulsos em que ensaiamos estar ao serviço de quem nos devia servir. Um mundo ao contrário.
Quando as divergências se colocam entre o que é dito, o que passa mediaticamente, e a realidade com a qual as pessoas são confrontadas, a questão coloca-se na falta de respeito pela inteligência das pessoas, sejam ou não as narrativas impulsionadas por períodos pré-eleitorais, por uma predominante perceção de impunidade ou por abuso perante um deficiente exercício de escrutínio cívico, mediático ou outro.
As coisas têm de ter nexo, ser sustentáveis e haver sentido de futuro.
Não é possível permitir que se deixem consolidar ideias que depois não têm tradução real e imediata com o que foi apresentado, sejam elas, a recuperação de tempos de trabalho, a eliminação das taxas moderadoras ou outros retalhos impulsionados por gente a dever muito à responsabilidade, a laborar numa crença infinita em recursos inexistentes.
O que choca nisto tudo, para além da subserviência do PS às agendas e impulsos alheios, é a falta de sentido de sustentabilidade, o ziguezague constante e o exercício nacional e europeia da inconsistência.
É inconsistente persistir numa atitude de aprovar “na boa vai ela” para condicionar nas cativações ou nas dilações da materialização das propostas.
É inconsistente no plano europeu persistir num discurso e ação política de aprofundamento dos mecanismos europeus que é incompatível com as posições de quem apoia a solução de governo.
Bloco de Esquerda e PCP suportaram 4 anos de uma solução governativa, mas demarcam-se de parte das opções do exercício. O governo defende posições no quadro europeu, mas demarca-se dos apoiantes da solução governativa. Sem a cobertura de quem deu aval ao atual governo, não se percebe em nome de quem é que o primeiro-ministro defende, neste caso bem, mais Europa. Parece que se espera que ninguém dê por isso, o que com a oposição de turno é bem possível que aconteça.
É inconsistente insistir para futuro com uma profusão de propostas eleitorais que são incompatíveis com um perfil de governação com um Mário Centeno nas finanças, sempre com os olhos no Eurogrupo, quiçá também à espera que lá fora não despertem para o que se vai propondo e aprovando no burgo.
O problema da espera é a modelação do acesso aos serviços pelas pessoas e pelas entidades, numa cadência que impõe prejuízos pessoais, comunitários e económicos inaceitáveis para este nosso tempo. A indigência do funcionamento de muitos serviços públicos assemelha-se a uma canalização velha em que se sucedem as roturas e os remendos, muitos concretizados pela descativação de verbas correntes, em estado de emergência. Com tantos anúncios para canalizações novas, pós-eleições, convinha que se enfrentasse sem propaganda ou desculpas ridículas, as falhas dos atuais canos. Não é solução querer projetar-nos para uma realidade virtual ou para um futuro que ninguém sabe se haverá condições para o concretizar. São precisas respostas imediatas, sustentáveis e com sentido de equilíbrio, já que, em demasiados casos, já se desperdiçaram 3 anos. Serão capazes?
Escreve à segunda-feira