São 5 Capítulos preenchidos por várias Bases orientadoras. Dos Princípios Gerais, passando pela Atividade Farmacêutica, visando os Beneficiários do SNS, não esquecendo os Médicos, as Instituições Particulares de Solidariedade Social com objetivos de Saúde, os Seguros ou simplesmente a Entrada em Vigor. São no total 45 Bases!
Há perto de 29 anos atrás, não existia ainda o modelo das Parcerias Público-Privadas, as PPP’s. Passaram a estar legalmente enquadradas, por Decreto-Lei, em 2002, era Primeiro-Ministro José Manuel Durão Barroso. E assim continua. Está em vigor à data de hoje, essa Lei e esse Decreto.
E precisamos mesmo nós, cidadãos e país, de uma nova Lei de Bases da Saúde que é muito semelhante ao que já temos? Não creio.
Em primeiro lugar, como os últimos dias nos fizeram ver, ouvir e ler, a Lei de Bases da Saúde não pode virar à esquerda nem à direita consoante a ideologia do Governo que está em funções. Não é, e nunca poderá ser, uma cruzada ideológica para não ser um mero episódio eleitoral à espera de ser mudado consoante muda o Primeiro-Ministro.
Uma Lei de Bases da Saúde, seja em 1990 ou em 2090, deverá ter um consenso alargado e apoiar-se numa base sociológica e nunca numa base ideológica.
Vejamos o perigo de discutir-se algo que em vez de ser para todos os portugueses fica refém da ideologia de uma ou outra parte da nossa sociedade.
Não foi à primeira, nem à segunda… e nem tão pouco à terceira, como o povo apregoa. À quarta foi de vez? Não! Os partidos com assento parlamentar, à exceção do PS, chumbaram esta terça-feira a proposta dos socialistas para a nova Lei de Bases da Saúde. PSD, CDS-PP, Bloco de Esquerda, PCP e Verdes votaram contra o artigo sobre as PPP’s.
Todo o processo está bloqueado pela questão das PPP. O Bloco de Esquerda e o PCP rejeitavam que este tipo de contratos com privados pudesse existir, argumentando que seria em benefício dos grandes grupos económicos e que, por isso, essa porta deveria permanecer fechada. O PS discordou dos seus parceiros de “Geringonça” defendendo que a Lei de Bases não deve proibir, mas sim limitar este tipo de contratos.
Para percebermos o erro da cruzada ideológica, analisemos a falta de união da esquerda política portuguesa que demonstra o erro de se ser contra algo que funciona bem. E eis que quando vivemos um processo de descentralização de competências, com um diploma também na área da Saúde, para as Autarquias Locais, 4 Autarcas do PS e 1 do PCP são contra as decisões apregoadas pela “Geringonça” do Governo Central. Sim, contra! Os Presidentes das 5 Câmaras Municipais da área de influência da PPP do Hospital de Vila Franca de Xira, que integra Alenquer, Arruda dos Vinhos, Azambuja, Benavente e Vila Franca de Xira, vieram defender publicamente o “seu” regime de PPP cujo principal acionista é o grupo José de Mello Saúde.
A prova de que a qualidade e a base sociológica é mais forte que a ideológica é visível neste exemplo. Merecem um aplauso estes 5 Autarcas!
É evidente que o sistema público e o SNS têm de ser o garante da proteção dos cidadãos na doença. Defenderei sempre que o cidadão está no centro das preocupações e deve ser o centro do Serviço Nacional de Saúde.
Um milhão de portugueses paga seguros de saúde. Um milhão! É uma clara evidência da fragilidade de um sistema público que não está a responder de forma eficaz às necessidades. Não será? Há dúvidas com recurso a estes números?
As pessoas não têm culpa das ineficiências do nosso Estado. Se a cooperação é uma coisa boa, com resultados positivos e evidentes, porque não fazê-lo reiteradamente? Há erro em fazer melhor? A liberdade de escolha do utente para aquilo que é melhor para o próprio e que traga maiores ganhos para o Estado não devia ser a base de qualquer base?
Sim, para mim o SNS deve continuar a coexistir como setor social e o privado. Tem de atuar com ambos na realização da prestação pública de saúde e em todos os momentos em que exista ganho de saúde para a população e se possam reduzir os encargos para os contribuintes. Não será esse o modelo de gestão mais sério para todos e cada um dos portugueses?
Nos dias de hoje é ouro. Não esquecer ainda e também a incontornável transparência, a imparcialidade e a rigorosa fiscalização que existe e deve ser continuamente reforçada. É isso e nisso que nós acreditamos sempre e onde o Estado não pode adormecer, quanto mais faltar.
Guerra ideológica à parte, a atual Lei de Bases da Saúde serve? Sim. Dentro das suas 45 Bases temos suficiente enquadramento que é aplicável hoje. E uma nova Lei de Bases da Saúde viria resolver os problemas, graves, que o SNS tem? Não! E o debate deveria e só pode passar por aqui porque não há manifestamente nada na atual Lei de Bases que impeça qualquer Governo de apostar fortemente no SNS e dar aos portugueses respostas atempadas, eficazes e eficientes à evolução da sociedade e dos tempos.
É necessário travar as urgências sobrelotadas e os tempos de espera de meses e anos para uma simples consulta. A resposta deve ser política e não com uma nova Lei de Bases!
A dívida a fornecedores aumentou mais de 50% em três anos e hoje o Estado deve quase 3 mil milhões de euros a fornecedores, desregulando a economia e prejudicando-se a si próprio. A resposta passa por uma rutura no modelo de financiamento atual e não numa nova Lei de Bases!
Sendo intelectualmente sérios e politicamente objetivos, o que precisamos então? Precisamos de estruturar um plano de investimentos fortes, a curto prazo e também a médio prazo, no máximo para uma década. Um plano de investimentos com participação alargada de/a todos os partidos, de base sociológica e que vise incluir todos os atores. Mas, sendo prático e objetivo, estamos a falar do quê? Portugal e o SNS precisa de renovar equipamentos, de apostar assumidamente na inovação tecnológica como prioridade, porque representam um impacto relevante para o desenvolvimento do setor, para a qualidade da prestação de cuidados públicos e para a sustentabilidade do SNS.
É preciso passar da teoria repetida, mês após mês, e resgatar a confiança dos profissionais de saúde. Dizem aqui e dizem ali que há “falta de gente”. Percebo. Mas e que tal não começarmos a casa pelo telhado? A confiança, a organização e a gestão de recursos humanos passa por cumprir a modernização e estruturação do trabalho e das carreiras profissionais do SNS. É urgente ter diálogo, decisões e novas políticas sobre o riquíssimo capital humano que temos!
“Falta dinheiro”, também se ouve. Pois bem, não cativemos conversas. Falta seguramente coragem para colocar como prioritária uma real rutura com o atual modelo de financiamento. É preciso modernizar e atualizar também neste essencial eixo do SNS. Não sei se o caminho passa pela proposta da Associação de Administradores Hospitalares que, já com dois projetos-piloto no terreno e estudos de gestores e peritos, propõem financiamento dos hospitais em função dos resultados com os doentes ou se devemos optar pelo modelo “money follows the Patient”. Uma coisa sei. Sei eu e sabe o SNS: A verba que cada Hospital recebe do Estado a refletir apenas os gastos diretos com doentes é uma fórmula esgotada e que origina um déficit gigantesco logo no dia 1 de janeiro…
É manifestamente evidente que precisamos de um SNS que assuma que a procura dos cidadãos não é só aos cuidados de saúde hospitalares e a cuidados de saúde familiares mas também aos cuidados de saúde continuados, aos cuidados de saúde paliativos e – tão crescente – aos cuidados de saúde domiciliários.
Em relação a isto tudo, que depreendo e defendo como necessidade, a Lei de Bases da Saúde verte apenas teoria. Não chega. A Lei de Bases da Saúde não é e nunca será a salvação do SNS.
O SNS ameaça ruir, dizia recentemente o atual Bastonário da Ordem dos Médicos ou que o “SNS estará pior do que há 20 anos”. Os números subscrevem e igualmente destacam que a feliz evolução da Medicina que tem contribuído para atenuar a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde.
Esta semana, com o debate em torno de uma possível nova Lei de Bases da Saúde, vivemos uma cortina de fumo de tremenda inutilidade social. Hoje Portugal tem desviadas as atenções da realidade prática do setor da Saúde, quando o SNS enfrenta um conjunto de graves deficiências operacionais, organizacionais e estruturais.
Comecei relembrando a história e com o mesmo respeito por quem a construiu termino. Este ano assinalamos 45 anos de Abril e o país reconhece que o SNS é uma das suas maiores conquistas. A melhor forma de assinalar esta conquista é salvando o SNS que é um instrumento valiosíssimo para combater as desigualdades sociais do país, para o crescimento e desenvolvimento sustentado de Portugal.
Com inclusão e sem exclusão. Com espaço para PPP’s que visem a melhoria da prestação de cuidados de saúde a muitos portugueses e com um premium espaço para o SNS também.
A salvação, essa, passa cada vez mais por aqui.
Carlos Gouveia Martins