A semana passada opinei sobre o incómodo para a humanidade que poderia ser haver um eixo Londres-Washington a dominar as relações atlânticas. Faltou apenas acrescentar dois pontos: o primeiro foi não incluir Bolsonaro na equação; e o segundo, ao incluí-lo, a necessidade de redefinir o eixo para um triângulo atlântico.
Não o fiz intencionalmente, uma vez que, esta semana, o Senado iria votar um projeto de decreto legislativo que procura travar a flexibilização das regras de porte de arma propostas por Bolsonaro.
A proposta foi aprovada e foi dado um primeiro passo para assegurar o bom senso no Brasil, para evitar a liberalização do acesso a armas de fogo (que é o que a proposta de Bolsonaro efetivamente cria) que, no meu entender, apenas iria lançar o caos no país.
O passo seguinte é fazer passar o mesmo decreto na Câmara dos Deputados, uma casa dividida e espartilhada em 25 forças políticas diferentes onde a lógica ideológica, a ciência política e as alianças partidárias são totalmente inortodoxas. Seguem a sua própria lógica e servem os interesses particulares de cada força política (ou dos seus líderes), os quais podem mudar consoante a oportunidade imediata e, claro, mediática. A câmara tem uma dinâmica própria e uma previsão de resultados altamente volátil.
Para já, imperou o bom senso, a sensatez e, claro, a esperança.
Não sendo brasileiro mas conhecendo relativamente bem o país, não consigo acreditar nem compreender que a flexibilização do acesso a armas de fogo trouxesse mais segurança e liberdade ao povo brasileiro.
Bolsonaro aponta já à Câmara dos Deputados e, recorrendo ao meio de comunicação dos líderes de consumo imediato, atira que “quem deixa de ter acesso a armas de fogo com leis de desarmamento, o cidadão que quer apenas se proteger ou o criminoso, que, por definição, não segue as leis? O direito à legítima defesa não pode continuar sendo violado! Nem todo mundo possui condição de ter seguranças armados”.
Temo, se Bolsonaro levar a sua avante, que o Brasil se torne o mais sangrento e violento país do mundo. Dramático? Talvez, mas quem não dramatiza sempre um pouco? Mas a verdade é que a pífia e populista desculpa de sustentar toda esta teoria na falta de condição, da generalidade da população, para ter segurança privada resume-se numa palavra: absurdo!
Absurdo porque o que estaria correto não seria que todas as pessoas tivessem capacidade de ter forças de segurança privadas e armadas. Não, o que seria correto é que as forças de segurança públicas no Brasil tivessem condições para assegurar a paz e a estabilidade de todos os cidadãos, ricos ou pobres.
Correto seria que as forças de segurança tivessem salários condignos, formação adequada, proteção, segurança social e, acima de tudo, dignidade.
Essa deveria ser a preocupação de Bolsonaro e de todo o povo brasileiro. Essa deveria ser a primeira análise a fazer antes de tomar esta decisão e que, efetivamente, procurasse solucionar um dos maiores problemas do Brasil e, de forma sustentada, contribuísse para reforçar a segurança e liberdade do cidadão.
Mas não chega, é preciso muito mais. Muito mais do que a liberalização do acesso a armas de fogo ou o reforço da capacidade das forças de segurança.
Seria preciso investir na educação, algo que os cortes anunciados por esta mesma administração, ao nível do ensino superior, indicam precisamente o contrário.
Seria preciso tomar medidas efetivas contra a corrupção e pela defesa da separação de poderes entre o executivo, o judiciário e o legislativo – algo que, alegadamente, parece comprometido.
O Brasil é um pais de extremos e, infelizmente, com enormes carências a vários níveis. O Brasil é um país imenso, genial e de uma gente com uma bondade gigante.
O Brasil merece mais, o seu povo merece mais, muito mais do que um regime que procura diminuir a sua condição e a sua sobrevivência a uma política à lei da bala.
Escreve à quinta-feira