Eram 9h30 quando, em Nanterre, nos subúrbio de Paris, a Polícia Judiciária francesa bateu à porta de Michel Platini, o antigo presidente da UEFA, e o conduziu para interrogatórios, não no Quai des Orfèvres, como no tempo do inesquecível Maigret de Simenon, mas aí mesmo, em Nanterre, onde estão situados os serviços anticorrupção, na Rue des Trois Fontanots, comandadas pelo comissário Thomas de Ricolfis. À mesma hora, outra detenção teve lugar: a de Sophie Dion, que foi secretária-geral do Eliseu durante a Presidência de Nicolas Sarkozy, entre 2007 e 2011.
A suspeita que pende sobre ambos, e logo se verá se conduz ou não a uma acusação oficial, é a de influência para a atribuição da organização do Mundial 2022 ao Qatar, tendo a federação do país do Golfo distribuído mais de 800 milhões de dólares por diversos membros da FIFA. Em causa – como aliás, o próprio Platini recentemente confirmou ao i e ao SOL, numa entrevista feita em Paris – está o célebre encontro entre Michel Platini, Nicolas Sarkozy e o emir do Qatar, Tamim Ben Hamad Al Thani. Recorde-se a versão dada por Platini à pergunta feita sobre tal reunião: “Quis participar ao Presidente da França a minha decisão de votar a favor do Qatar porque senti ser minha obrigação. Fui convidado para um pequeno-almoço no Eliseu. Quando cheguei, vi que o emir do Qatar também tinha sido convidado. Esclareço: eu fui convidado por Sarkozy, o emir também. Que podia fazer? Para mim, tendo em vista a matéria, até foi incómodo. O que se escreveu depois disso são disparates. A decisão já estava tomada”. Foi isto que Michel Platini voltou a declarar, ontem, no interrogatório a que foi sujeito, acompanhado pelo seu advogado, William Bourdon.
Questão política. Ninguém tem dúvidas que esta questão agora retomada tem um fundo de intervenção política e o antigo Presidente da França como alvo principal. Os inquiridores avançaram para o confronto entre as declarações de Platini e de Sophie Dion, e foi tornado público que, apesar de não se encontrar detido, Claude Guéan, que foi ministro do Interior à data dos factos também está na lista dos próximos a serem interrogados. Resta saber se o próprio Nicolas Sarkozy não será também ouvido no desenvolvimento de um processo que parecia há muito enterrado e que voltou à superfície, sem dúvida, por causa do súbito contragolpe de Platini que, recorde-se, está à beira de ver terminada a sua suspensão ditada pela FIFA que foi inicialmente de 6 anos e passou a quatro após recurso.
Na impossibilidade de contactar Michel Platini no dia de ontem, conversámos com o seu braço direito para a comunicação, Jean-Christophe Alquier, que não se mostrou surpreso com esta detenção. E remeteu-nos para as primeiras declarações de Mr. Bourdon: “Il ne s’agit en aucun cas d’une arrestation, mais d’une audition comme témoin dans le cadre voulu par les enquêteurs” (“Não se trata de uma detenção mas de uma audiência como testemunha”). A palavra detenção parece incomodar o causídico que insiste que Michel Platini esteve apenas a ser ouvido na qualidade de testemunha.
O primeiro objetivo da unidade anticorrupção é a de estabelecer medidas de coacção que serão tornadas públicas em breve e que deverão passar, em primeiro lugar, para lá do habitual termo de identidade e residência, pela proibição de contactos entre as pessoas que forem chamadas a prestar declarações.
“Michel Platini está absolutamente tranquilo e totalmente ao dispor das autoridades para esclarecer aquilo que for necessário. Não tem nada de que se deva recriminar e reafirma-se totalmente ignorante em relação a factos que o ultrapassam”.
Nicolas Sarkozy sabe bem o que é estar a contas com a justiça. Em 2014, depois de ter perdido a sua reeleição à Presidência para François Hollande, foi arguido por corrupção ativa, tráfico de influências e violação do segredo de justiça, tendo sido interrogado durante 15 horas consecutivas e tornando-se o primeiro antigo Chefe de Estado da França a sujeitar-se a medidas coercivas. Os casos sucederam-se. Entre o abuso de confiança perpetrado na sua eleição, com a invalidação das contas da sua campanha de 2012 por 11 milhões de euros em faturas falsas, aos financiamentos alegadamente recebidos pela Líbia ainda no tempo de Muammar al-Kadhafi.
Michel Platini foi bem claro na forma como apontou o dedo a Sarkozy no que ficou conhecido por “Qatargate!”: “Não fazia a mínima ideia, quando me dirigi ao Eliseu, para me reunir com o Presidente Nicolas Sarkozy, no dia 23 de novembro de 2010, que Tamim bin Hamad al-Thani, o emir do Qatar iria estar presente. Foi, para mim, uma absoluta surpresa e até um momento confrangedor. Mas que podia eu fazer? Fui convidado. Ia-me embora? Acho que ninguém vira as costas ao Presidente da França”.
Foi também em declarações ao i que Platini revelou ter avançado com quatro processos, dois deles contra André Bantel, porta-voz do Comité de Ética da FIFA, e contra André Marty, do Ministério Público suíço, por difamação e associação criminosa, procurando saber quais as relações mantidas entre o MP suíço e as altas figuras da FIFA, convencido de que tinha sido vítima de uma cabala sobre o milhão de francos suíços recebidos em tarefas para as quais a FIFA o contratou. Os juízes desportivos não acreditaram na sua versão. Agora, definitivamente, o caso alarga-se. “Objectif Sarkozy!”.