Se, passado mais de uma semana sobre o discurso de João Miguel Tavares nas comemorações do Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades portuguesas, realizadas em 10 de junho em Portalegre, ainda vou discorrer nesta crónica sobre algum do seu conteúdo, é porque, concorde-se ou não com a abordagem do orador, a sua fala deixou marcas e teve o mérito de não deixar ninguém indiferente.
Não é minha intenção nesta crónica comentar o discurso do plumitivo. Já muitos o fizeram das mais diversas formas, perspetivas e ângulos de abordagem. Vou cingir-me apenas a dois pontos, um em que tendo a concordar com o sublinhado do discursador e outro em que me parece ter havido algum facilitismo e desresponsabilização por quem pela natureza das circunstâncias, falou de bancada.
A fratura exposta do elevador social não é apenas um problema de Portugal, mas também é nosso. Dissemina-se em particular nas sociedades modernas, tolhidas por níveis de desigualdades cada vez mais inaceitáveis. Temos uma obrigação cívica, também em Portugal, de fazer muito mais para que o sítio, a família e o contexto em que se nasce não determine, da forma opressiva como hoje o faz, o percurso de sucesso ou insucesso nas novas gerações.
Concordo com o orador que é bem mais difícil hoje, para um filho de um sargento do exército e de uma dona de casa sem outro emprego, como eu sou com muito orgulho, integrando uma família que saltitou de terra em terra na infância e na adolescência por obrigações profissionais do meu pai, trilhar o percurso que eu trilhei. Junto assim a minha história pessoal à história pessoal contada por João Miguel Tavares em Portalegre para ilustrar a ideia de que todos temos de fazer algo para repor em melhores níveis o elevador social, que é determinante para a saúde das sociedades em geral e das democracias em particular.
Este é um desafio de todos. Discordo, por isso, veementemente do orador quando no seu discurso escarafuncha a dicotomia e procura a fratura social afirmando que “há o eles – os políticos, as instituições, as várias autoridades – e há o nós – eu, a minha família, os meus colegas, os meus amigos”, e acrescenta que “entre o nós e o eles há uma distância atlântica, com raríssimas pontes pelo meio”. Neste posicionamento, Tavares está a colocar-se dentro do círculo dos que, falando de bancada, identificam o problema, mas não estão disponíveis para serem parte da solução. Esta atitude, é preciso dizê-lo, configura o cerne da abordagem populista. Os culpados são sempre “eles”, e nunca “nós”. Não há pontes nem vontade de as construir.
Na minha opinião, os construtores de pontes são o terreno fértil para acreditar. Para escorar fraturas indignas. Para reabilitar o elevador social justo. Falar de bancada sem estar disposto a descer à terra é correr o risco de ver as palavras serem levadas pelo vento sem deixarem semente. Por isso, o discurso do 10 de Junho foi uma convocatória para a ação, quer para os que concordaram com a abordagem, quer para os que dela discordaram. Sem nós e eles. Os que querem resolver e transformar em nome da justiça social nunca são demais.
Eurodeputado