E, de repente, parece que já ninguém se importa com o Brexit. É um dado adquirido, independentemente do enorme vazio e incertezas sobre a data e a forma como acontecerá. E, uma vez mais, a Europa enfrenta um Reino Unido desalinhado e indiferente à história do Velho Continente.
As atenções viram-se agora para a sucessão de May e para o elefante no meio da sala. E compreende-se que, para além da preocupação política e económica com as eleições do país que contribui com 16% para o PIB da União Europeia, seja patente um enorme desconforto e apreensão sobre quem irá liderar os conservadores.
Muito embora, à partida, não vá contar para a aritmética política do Parlamento Europeu, Conselho Europeu e Comissão Europeia, as implicações que poderá ter no equilíbrio das relações atlânticas preocupa meio mundo.
E não é para menos; é, aliás, totalmente compreensível quanto à possibilidade de Boris Johnson vir a suceder a Theresa May. E esta preocupação não assenta em qualquer reconhecimento e admiração das qualidades de May; pelo contrário, reside na imprevisibilidade de Boris e no desconhecimento das suas qualidades.
A popularidade de Boris é mais uma prova de que o sistema político está doente, que as sociedades modernas carecem de consciência política e que, sobretudo, as pessoas desacreditaram por completo na política.
Não se trata de ser conservador ou progressista. O que está cada vez mais em causa no momento da escolha de um candidato político é o sensacionalismo, a irreverência negativa e o populismo do mesmo. E a avaliação é feita pela comunicação que, nos dias de hoje, se realiza à velocidade da luz, através de sound bites e de forma altamente superficial.
Para mim, que nasci no século passado e me habituei a ver comunicações de políticos de forma estruturada e sustentada, não faz qualquer sentido que a grande maioria dos líderes mundiais comuniquem através de uma rede social. Que, independentemente da barbaridade que possam proferir, a mesma seja partilhada milhões de vezes e do nada, sem contexto ou enquadramento, chegue a outros milhões de pessoas.
E o que chega a essas pessoas (por norma, eleitores)? Uma declaração, uma opinião ou uma tomada de posição desprovida de contexto e, sobretudo, sem contraditório. Pessoas essas que são uma larga maioria que se alimenta de sound bites, posts e comentários e com estes formula a sua opinião que, mais tarde, converte em voto – é o expoente máximo da sociedade de consumo imediato.
É pouco e, sobretudo, é preocupante quando o que está em causa é o futuro da humanidade e a estabilidade mundial.
É mais fácil esconder a mediocridade, a falta de liderança e a visão por detrás de 280 carateres. É mais simples porque permite vociferar barbaridades e não poder ser confrontado com as mesmas.
Esta é a política dos últimos anos, em que cada vez mais conferências de imprensa e declarações oficiais são substituídas por tweets e, consequentemente, temos uma sociedade menos informada e consciente das escolhas que tem de fazer.
É nesta lógica de falta de consciência política e fraca consistência de formulação de opiniões que assistimos, de forma impotente, à possibilidade de Boris Johnson vir a ser o próximo líder do Reino Unido.
Mais preocupantes ainda são os apoios que recolhe, do outro lado do Atlântico, do rei dos tweets e pai da política de consumo imediato. A concretizar-se, a curto prazo podemos ter um eixo Londres–Washington cuja essência se condensa em 280 carateres, mas cujos resultados e consequências são imprevisíveis.
Por isso é caso para dizer que, se um incomoda muita gente, dois incomodam muito mais. Mas não é o incómodo que me preocupa, mas sim as consequências de ter dois loose cannons alinhados no Atlântico, numa Europa sem liderança.
Escreve à quinta-feira