Crónica sobre reflexões do 10 de Junho para não políticos


Relembremos, pois, Pinto Monteiro, o PGR que disse nada ter percebido do que era evidente para todos, e não esqueçamos também as provas que Noronha do Nascimento tão diligentemente mandou destruir.


Por várias razões, e algumas são de identidade substantiva, outras menos, gostei muito do discurso desassombrado e tristemente lúcido que João Miguel Tavares fez no dia 10 de Junho em Portalegre.

É, para todos os efeitos, um discurso que toca transversalmente um grupo grande de portugueses e que a espaços, aqueles de onde saíram as críticas mais prementes – não deixa de ser espantoso como os fanáticos vêm Marcelo Caetano em tudo o que os outros dizem e não vêm Estaline em nada do que fazem –, traz uma visão do Portugal não clientelar que tem assistido calado e respeitoso a 40 anos de (des)Governos sucessivos que lhes degradaram mais ou menos gradualmente, conforme as conjunturas e sede de presúria à data, o rendimento e o bem estar, para se pagarem a si próprios e à legião de desvalidos, mais ou menos necessitados, que depois os elegem num círculo vicioso que se agudiza.

Estes 40 anos, é verdade que tiraram, e bem, toda uma franja da população das raias da pobreza, mas fizeram-no com um esforço tremendo sobre a classe média, que é aquela que, mesmo pagando a festa, está esquecida na sua cidadania por todos os partidos.

Quando J. M. Tavares refere que os portugueses precisam que lhes deem um futuro em que acreditar – podemos nem todos querer o mesmo –, mas há uma dimensão pragmática e alguns exercícios muito simples para se raciocinar sobre o tema e que vão além daquela estupidez iconoclasta e ideológica e, essa sim, profundamente bafienta, que reduz a vida de pessoas e o seu futuro ao eterno choque dos direitalhos contra os esquerdalhos, e que muito para além de índices palpáveis e valores de sociedade só vê a vida como espaço ideologicamente hermenêutico.

Ser bom ou mau reduz à veneração acrítica e fanática, julgada consoante os autores que se leram (e veneram), que já há muito desistiu (ou nunca tentou sequer) medir-se a ideologia pela qual destila fel e sua práxis, garantem, afinal, qualquer melhoria de qualidade de vida a todos os seus administrados.

Os exemplos da estupidez ideológica aplicada contra os melhores interesses dos cidadãos não têm limites nos últimos anos. Podemos, entre tantos outros, fazer por exemplo um paralelismo entre a evolução das carreiras tipicamente clientelares, como tem sido o caso dos funcionários públicos, por opção política, e a evolução dos rendimentos do trabalho no privado (depois do fenómeno politicamente induzido do resgate da República e do programa da troika), e procurar-se um mínimo de equidade que os políticos tenham trazido a quem dos seus impostos privados paga também os ordenados no Estado.

Pasme-se como um Estado que funciona, entretanto, já para lá dos mínimos dos mínimos da qualidade dos serviços hospitalares e outros, e pense-se sobre de que forma se serviu os cidadãos ao aplicar aos serviços em pré ou consumada ruptura horários de 35 horas semanais e aumentos.

Olhe-se também para o estado de generalizada miséria de funcionamento e ausência absoluta de investimento e pergunte-se se, realmente, a reversão dos contratos de concessão dos transportes serviu os portugueses seus utentes, ou apenas os seus trabalhadores, o poder das estruturas sindicais e o poder do PCP.

Percam-se dois segundos a olhar para o SNS e a sua (in)capacidade de resposta e para o desinvestimento a que estas políticas suicidárias dos contratos de trabalho no Estado, e outras, nos condenarão pelos anos a vir, enquanto o serviço da dívida colossal que arrastamos não baixar relevantemente e o crescimento económico não for um desígnio sério e descomplexado, e pergunte-se o que acontecerá aos portugueses que precisem de saúde se dependerem só do Estado cumpridor das metas europeias, e depois pense-se se a Lei de Bases da Saúde de que se fala (em cenários de investimento público e crescimento anémicos) serve verdadeiramente os utentes ou ao contrário.

Reflita-se também sobre um despacho de um juiz de Aveiro, no processo Face Oculta, que via indícios do crime de subversão do Estado de direito e veja-se o que são as notícias da espuma dos nossos dias nestes últimos anos e quem, inevitavelmente, sempre aparece. Não foram outra vez os portugueses quem a República serviu!

Relembremos, pois, Pinto Monteiro, o PGR que disse nada ter percebido do que era evidente para todos, e não esqueçamos também as provas que Noronha do Nascimento tão diligentemente mandou destruir. Ouça-se ou leia-se o que Filipe Pinhal disse aos deputados sobre a actuação do então governador do BdP no assalto ao poder no BCP. Lembremo-nos da OPA à PT. Lembremos a tentativa de fechar o SOL ou a compra da TVI. Lembremos os meandros do Monte Branco, da Face Oculta e tentemos perceber os três resgates à República.

Reflitamos sobre os temas do nepotismo e até sobre quem são os beneficiários dos prémios da TAP, e constatemos quem está, sempre, dentro dos mesmos círculos e quem está tão esquecido deles.

Perguntemo-nos se tivemos um epifenómeno, localizado, ou se isto é mesmo o novo normal?

Por fim, ousemos lembrar quem tem pago esta festa e perguntemo-nos se o nosso destino é estarmos condenados a isto, ou se não fará sentido, MESMO, pensar a dar aos portugueses um objectivo verdadeiramente mobilizador e de coesão.

 

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990