Na sua recente visita ao Reino Unido, ainda antes de o “Air Force One” ter pousado em terras de sua majestade, já Donald Trump tinha espremido para as redes sociais o essencial do seu pensamento dizendo que, na sua opinião, os ingleses deveriam ter iniciado a sua negociação de saída da UE como um conflito, processando o parceiro de tantas décadas e gerindo o litígio para pagar uma indemnização menor ou nenhuma. É este o mantra do Presidente americano. Já não o velho “dividir para reinar”, mas o mais pragmático “dividir para cobrar”. Quanto ao negociar de forma lisa, transparente e a benefício de todos, é um caminho que caiu em desuso na Casa Branca.
A velha e frágil ordem global colapsou com o ímpeto americano e o interesse de muitos outros jogadores, e está em curso um processo caótico de reconfiguração em que o multilateralismo dos conflitos parece obedecer a um novo choque de titãs, agora não entre os Estados Unidos da América (EUA) e a sumida União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, mas entre os EUA e a China.
Embora os principais protagonistas do choque geoestratégico sejam os EUA e a China, neste momento sob a forma de uma guerra comercial aos solavancos e de uma guerra tecnológica subjacente, tal como na Guerra Fria do século passado, grande parte do combate será realizado por atores menores aliados de cada bloco.
Para a União Europeia, este cenário geoestratégico é profundamente desafiante. Pelos valores e pela história, não pode hesitar em manter fortes alianças com os Estados Unidos da América, mas, pela instabilidade da sua liderança, não pode aceitar ser um ator menor ou mero executante dos devaneios do Tio Sam. Manter um relacionamento aberto e forte com a China e desenvolver as suas raízes multilaterais é um contributo importante da UE para o equilíbrio global e para a sua própria afirmação enquanto maior mercado do mundo e importante potência geopolítica.
Quando recentemente foi galardoado com o Prémio Carlos Magno em Aachen, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, apelou a uma Europa “forte e unida” pela responsabilidade acrescida de ser “pioneira, mas também um posto avançado do multilateralismo e do primado do direito”.
Sem menosprezar a força e a capacidade de soft power da UE, sobretudo se se mantiver unida na defesa dos seus interesses comuns, dificilmente ela pode aspirar a ser o terceiro protagonista, ao nível dos EUA e da China. Pode, no entanto, desempenhar um outro papel para que está vocacionada e que tem todos os instrumentos para praticar. Pode e deve ser o árbitro da reconfiguração, inspirando-a com os seus valores humanistas e de salvaguarda da sustentabilidade do planeta, no quadro da transição energética e digital.
Ser árbitro, sobretudo de grandes duelos, nunca foi tarefa fácil. O desafio europeu é conseguir que os povos do mundo se sintam reconfortados pela sua ação de articulação multilateral e proclamem com convicção “viva o árbitro”, ciente de que mesmo um eventual “fora o árbitro”, que pode sempre acontecer, é melhor do que permanecer na bancada a assistir à erosão da boa convivência global e do seu peso político, económico e social no mundo.
Eurodeputado