Por entre sonhos e respetivos porcos…


A imaginação, por seu lado, costuma ser um revigorante da memória e dei por mim a pensar numa noite chuvosa em Jeonju, na Coreia do Sul, na qual eu, o José Vidal e o João Bonzinho nos esfalfámos para encontrar um local onde passar a noite e não arranjámos melhor do que um encantador Pig’s…


Quem vem, antes de atravessar o rio, pela A1, na zona da saída para Espinho, nota do lado direito um cartaz no mínimo inusitado. Um tipo de barbas, desenhado ao estilo Mortimer, de Edgar P. Jacobs, mas em modernaço, está à beira de ser beijado por uma moça de cabelos arruivados. O cartaz é colorido e provoca curiosidade. O barbaçanas está de laço e suspensórios, a rapariga tem o toque típico de uma secretária dedicada, e as únicas palavras que os rodeiam dizem Silk Hotel. Longe de mim ser preconceituoso ao ponto de colar seda a lençóis como o sábado se cola ao domingo, mas a coisa fez-me uma certa espécie. Deveria talvez, como obriga o meu sentido de repórter, fazer um pequeno desvio para investigar este local de repouso (?) que deve ficar nos arredores de Guetim, mas tenho de ir para o centro de imprensa escrever as páginas já desenhadas e não vou correr o risco de que me digam, de repente, mesmo que vá dar de caras com espelhos no teto e champanhe rosé no gelo, “We are programmed to receive./ You can check out any time you like,/ but you can never leave!” Era só o que me faltava. Podendo até dar-se o caso de, em vez daquilo que a minha sórdida imaginação começou por desenvolver, o Mortimer do laçarote e a telefonista ruiva acabarem por ser, afinal, tão-somente os proprietários da albergaria, o que faria com que a reportagem fosse dar, como gosta de dizer o povo, de Chão de Meninos a Freixo de Espada à Cinta, com os burrinhos na água.

A imaginação, por seu lado, costuma ser um revigorante da memória e dei por mim a pensar numa noite chuvosa em Jeonju, na Coreia do Sul, na qual eu, o José Vidal e o João Bonzinho nos esfalfámos para encontrar um local onde passar a noite e não arranjámos melhor do que um encantador Pig’s Dream. Ora, dormir entre sonhos de porcos é certamente mais retemperador do que dormir, por exemplo, no Hotel California. Não ouvimos vozes durante a noite. Nem elas chamavam de longe, acordando-nos de madrugada para sussurrarem: “Such a lovely place (such a lovely place)/Such a lovely face./ What a nice surprise (what a nice surprise), bring your alibis”. Pois, não temos álibis possíveis para a escolha que fizemos a não ser que despencava água do céu como de uma torneira e ninguém nos quis receber em mais lado nenhum.

Se o barbudo do Silk Hotel se veste com umas roupas psicadelicamente coloridas, o que dizer dos devaneios suínos? Cortinados vermelho-sangue-coalhado, colchas azuis-pervinca… Ah! Espelhos no teto, claro! Nada de champanhe. Uma única cama, redonda, enorme, no centro do único quarto disponível onde tivemos de nos encaixar os três. Uma confortável mesa de massagens instalada no quarto de banho, que tirámos à sorte, um aparelho de televisão de razoável amplitude e, tal como nos avisou a rececionista velhinha, em coreano, por gestos, apontando para as prateleiras apinhadas, um sortido muito razoável de filmes pornográficos à disposição, com algumas sugestões capazes de fazerem porcos terem pesadelos em vez de sonhos. Preferimos ver um jogo qualquer, já não me recordo qual. No dia seguinte, a seleção nacional entrava em campo frente à Polónia, com a triste derrota face aos Estados Unidos a pesar-lhe nos ombros. Dormi, na mesa das massagens, um sono sem sonhos de espécie nenhuma. Deus lá terá achado que era um exagero massacrar assim um coitado. Afinal, não é nenhum mão-de-vaca.