Dia 4 de agosto de 2018: o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) olhou para os termómetros e disse que foi o dia mais quente do ano. E não sobrou espaço para discórdia, já que não havia sombra que valesse. Nesse sábado, as temperaturas bateram recordes e chegaram mesmo aos 46,8 graus em Alvega, Abrantes – o sítio mais quente do país naquele dia. E, tal como a época do frio, a estação que traz temperaturas mais elevadas é também motivo para uma ida às urgências dos hospitais. Mas há quem prefira – antes de se deslocar ao médico – entrar em contacto com a linha do Serviço Nacional de Saúde (SNS 24) – ou Saúde 24.
A equipa de enfermeiros e médicos que se sentam todos os dias no edifício do SNS 24 – a funcionar exclusivamente para o atendimento telefónico aos utentes – atende em média três mil chamadas por dia. O mês de agosto de 2018 não foi exceção e, só durante este mês, foram atendidas 66 768 chamadas. Desde 2000 que as temperaturas não subiam tanto, especialmente no dia 4 de agosto, devido à inédita onda de calor que se prolongou durante semanas e atingiu quase toda a Europa. Só em Lisboa, a estação do IPMA da Avenida Gago Coutinho registou 44 graus às 17 horas – a temperatura mais alta de que há memória no local.
No dia mais quente do ano, o SNS 24 recebeu 35 chamadas descrevendo sintomas que se relacionavam essencialmente com o calor extremo: escaldões, queimaduras solares, cefaleias devido à exposição solar – dores de cabeça –, e desidratação. Mas atenção, o calor extremo continuou e verificou-se um aumento do número de chamadas nos dias seguintes.
Calor transformado em algoritmos
Em dias que pedem praia, muita água e pouca roupa, os telefones tocam mais vezes no SNS 24. Nestas alturas as equipas são reforçadas, até porque todas as semanas é feita a monitorização e a previsão daquilo que vai acontecer nos dias seguintes. Por exemplo, à parte do calor, é ao final da tarde que as pessoas mais recorrem a este serviço, estando por isso reforçadas as equipas nestes períodos, ao longo de todo o ano.
No espaço do SNS 24 trata-se a saúde por algoritmos – uma forma de dar nome às chamadas em função dos sintomas dos utentes. No verão, há dois algoritmos específicos que saltam à vista: um relativo ao calor e outro relativo à exposição solar. Voltando ao dia em que até as fontes se transformaram em pequenas piscinas para refrescar, ao edifício do SNS 24 chegaram 35 chamadas relacionadas com calor e com exposição solar – foi o dia do mês com mais registos nestes dois pontos. Destes 35 pedidos de ajuda, 18 receberam o devido aconselhamento para tratamento em casa – o chamado autocuidado –, 11 foram encaminhados para o serviço de urgência, três para o Instituto Nacional de Emergência Médica e os restantes receberam cuidados de saúde primários. A partir daqui foi sempre a descer e, no dia 8 de agosto só foram feitos 11 telefonemas por causa da temperatura.
Saúde 24 já se prepara para o próximo verão
O verão ainda não começou oficialmente, mas esta sexta-feira e sábado os termómetros vão registar valores dignos de mês de agosto, já que são esperadas temperaturas a rondar os 40 graus em várias zonas do país. No mapa, há dez concelhos em alerta máximo: Tavira, Silves, Loulé, São Brás de Alportel e Alcoutim, Gavião, Sardoal, Mação, Vila de Rei e Figueira de Castelo Rodrigo. Face a estas previsões, o SNS 24 começou já a preparar um possível reforço da equipa, se o número de chamadas aumentar.
Além disso, no site do Centro de Contacto do Serviço Nacional de Saúde já se lê o aviso para estes próximos dias: “estimam-se temperaturas elevadas a partir de quinta-feira, dia 30 de Maio, em vários distritos do país. Informe-se sobre os cuidados a ter”. O objetivo, diz o SNS 24 em parceria com a Direção-Geral de Saúde, é chegar a mais pessoas e evitar, em primeiro lugar, que se verifiquem casos de doença devido ao calor e depois que as urgências dos hospitais fiquem entupidas com casos que poderiam ter sido devidamente encaminhados pelas equipas médicas responsáveis pelo atendimento do SNS 24. Aliás, a triagem deve ser feita através da linha telefónica, que está disponível 24 horas por dia.
Depois da onda de calor do ano passado, esperam-se agora temperaturas idênticas, ou até mais elevadas. Na semana passada, o portal norte-americano AccuWeather indicou que Portugal será um dos países europeus onde serão esperadas ondas de calor nos próximos tempos. Atenção: para ser considerada uma onda de calor, é necessário que as temperaturas estejam cinco graus acima da média dos últimos 30 anos e durem, pelo menos, seis dias seguidos. E, além disso, o IPMA faz apenas previsões das condições meteorológicas para os próximos dez dias, sem garantia de que não serão ajustadas.
Mortalidade aumenta nos meses de calor
A onda de calor de 2003, de 29 de julho a 14 de agosto, bateu, à época, recordes. Foi calculado um excesso de 1953 mortes neste período de 17 dias – número de mortes que ultrapassam o valor médio, sendo que diariamente morrem, em média, em Portugal 300 a 350 pessoas e, no inverno, tendem a verificar-se mais 100 a 150 óbitos diários.
Os excessos de mortalidade associados às ondas de calor são calculados através da comparação do número de óbitos observados durante um determinado período com o número de óbitos esperados para esse mesmo período. O calor extremo, associado a 40 mil mortes na Europa, reforçou o alerta para os perigos daí decorrentes. Em Portugal foi feita uma análise detalhada. Houve um aumento de 11,6% nas idas às urgências aos hospitais, sendo a subida mais notória entre os idosos com mais de 75 anos.
Depois desta onda de calor, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge publicou análises de mortalidade para as ondas de calor de 2013 e 2014. Os dados foram cruzados graças ao Ícaro, um sistema de vigilância e monitorização de períodos de calor extremo com efeitos sobre a mortalidade a funcionar desde 1999. As conclusões são claras: “A frequência de episódios climáticos extremos está a aumentar, seja em número de ocorrências de ondas de calor ou de frio meteorológicas”, lê-se no relatório feito em parceria com o IPMA. No entanto, o documento também referia que entre 1981 – data da primeira onda de calor registada – e 2014, verificou-se “a melhoria da qualidade das habitações e espaços públicos com aumento e melhoria dos sistemas de refrigeração, e, por outro lado, pelo aumento do conhecimento sobre as medidas preventivas durante os períodos de calor extremo que têm vindo a ser implementadas desde 1999”.
Os registos de mortalidade excessiva são, no entanto, inexistentes para a onda de calor registada em 2017. Com 17 dias de duração, a onda de calor coincidiu com os incêndios de Pedrógão Grande, onde morreram mais de 60 pessoas.