Decisão sobre PPP de Vila Franca guardada para o último dia

Decisão sobre PPP de Vila Franca guardada para o último dia


Governo tinha até esta sexta-feira, 31 de maio, para notificar o grupo Mello sobre o futuro da PPP de Vila Franca. Pressionada pela esquerda na AR, Marta Temido não se antecipou ao aviso formal.


A pergunta chegou passada meia hora do debate sobre Saúde no Parlamento pedido pelo PSD, primeiro do BE, depois do PCP: o Hospital de Vila Franca de Xira continuará a ser gerido em parceria-público privada ou segue as pisadas de Braga e regressa à esfera pública?

Pressionada pela esquerda, que invocou a inspeção do regulador da Saúde – que revelou que durante quatro anos o hospital internou doentes em zonas de refeitório, salas de banho e corredores, – a ministra da Saúde não se descoseu. O Governo tinha até esta sexta-feira, 31 de maio, para notificar o grupo José de Mello Saúde, responsável pela gestão, sobre as suas intenções em relação ao futuro da parceria e guardou a notificação para o último dia do prazo. Por contrato, a comunicação tem de ser feita dois anos antes do fim da concessão e não houve antecipações, nem formais nem políticas. Depois do confronto inicial, os partidos também não insistiram.

 

“Maçã podre”

A posição do BE e do PCP contra as parcerias público-privadas na saúde é clara desde o início da geringonça – e tornou-se um ponto nevrálgico na tentativa de um acordo à esquerda para rever a Lei de Bases de Saúde – mas as últimas semanas renovaram os argumentos. Moisés Ferreira, do BE, começou por questionar o Governo sobre a situação do Hospital de Cascais: o Executivo prolongou o contrato de gestão com o grupo Lusíadas Saúde até que fosse lançado um concurso para uma nova PPP (que ainda não viu a luz do dia), mas entretanto a PPP é alvo de um inquérito por parte do Ministério Público por suspeita de crimes de corrupção e burla qualificada, depois de denúncia de falseamento de indicadores na urgência que permitiriam à entidade gestora aumentar as receitas.

“Poder-se-ia dizer que é uma maçã podre, apenas um caso, mas não é”, disse o deputado bloquista, referindo as recentes conclusões da ERS sobre internamentos inapropriados em Vila Franca. Seguiram-se críticas a Loures, cuja decisão sobre o futuro da PPP tem de ser tomada até janeiro de 2020 e onde o BE critica que o vice-diretor clínico seja também diretor clínico na Luz (o grupo que gere esta PPP). “O problema das PPP não é defeito de uma ou outra, é feitio. Atentam contra o SNS, é um problema que é preciso expurgar”.

Paula Santos, da CDU, seguiu o mesmo raciocínio. “É a realidade que dá razão ao PCP. O que move os privados não é o acesso e prestação de cuidados de saúde de qualidade, o que os move, e é prioridade, é a obtenção de lucro.” Também Os Verdes pediram que Marta Temido anunciasse ao plenário a decisão – “centenas de doentes serem internados em refeitórios não lembra ao diabo”, disse o deputado José Luís Ferreira.

A ministra da Saúde não desvalorizou os dados e sublinhou que outra avaliação da Entidade Reguladora da Saúde sobre as “mais-valias ou menos-valias” das PPP não foi “conclusiva”, mas não respondeu nem que sim nem que não.

“O que o Governo decidiu foi, relativamente a cada uma das PPP, realizar os estudos técnicos adequados e, em função dos mesmos, tomar uma decisão. Foi assim em Cascais, em Braga, será assim em Vila Franca e em Loures”, disse. “O que afirmamos é inequívoco, a nossa preferência é pela gestão pública (…) a nossa prioridade são os doentes.” Mas sem antecipar decisões, deu um puxão de orelhas aos parceiros. “Se a nossa prioridade são os doentes, em qualquer modelo de gestão, os doentes não podem ser internados em condições desumanas e indignas e que não podem merecer complacência. Foi por isso mesmo que fizemos a opção de avaliar o que determinou estas notícias e é por isso que estamos a trabalhar com a Administração Regional de Saúde para perceber o que nos perguntam, se foi uma situação temporária ou mais permanente que seja fundada numa menor adequação do contrato de gestão”, acrescentou, repetindo a ideia em relação aos factos que vieram a público sobre as outras PPP.

Perceber até que ponto uma internalização da resposta no SNS pode comprometer a assistência à população é, na visão do Governo, o busílis. “A nossa preferência é clara, passa pela gestão pública e, dentro desta nossa preferência, o que temos de garantir é que nenhum hospital é internalizado condicionado os resultados, não podemos assumir uma opção que passe por desguarnecer a resposta de saúde.”

 

Os cenários

Tanto em relação a Cascais como Braga, a opção inicial do Governo foi negociar o prolongamento dos contratos, para serem lançados novos concursos – em linha com as recomendações dos estudos feitos pela Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (UTAP). Em Braga, um hospital lançado também pelo grupo Mello, não houve acordo entre as partes e a opção do Executivo acabou por ser o regresso à esfera pública. Inicialmente o anúncio foi de que seria uma gestão pública temporária, com início a 1 de setembro, mas a 12 de abril um despacho determinou o fim dos trabalhos de preparação para o lançamento de uma nova PPP para a gestão clínica do Hospital de Braga, atirando para daqui a cinco anos uma “reavaliação da oportunidade de lançamento de uma nova parceria público-privada”.

O facto de o programa do Governo prever o “revigoramento e recuperação do SNS” é o primeiro argumento invocado no diploma, que adianta que o objetivo é aproveitar este período para recolher dados sobre o modelo de gestão pública que sirvam de “parâmetro de comparação numa reavaliação fundamentada da oportunidade de lançamento de uma nova PPP”.

Dos quatro hospitais do SNS geridos em PPP, o de Vila Franca é o que representa menos encargos para o Estado – segundo o relatório mais recente da UTAP, tem um peso de 18% na despesa da saúde com parcerias público privadas. Medidas à parte, chegou a hora da terceira e última decisão sobre PPPs desta legislatura.