Maria José. A grávida matricida
“No dia 12 de setembro de 1848, uma terça-feira, o guarda-barreiras das Portas de Santa Apolónia, em Lisboa, regressava a casa cerca das 21h00 quando, ao passar pelas obras de Santa Engrácia, avistou aquilo que lhe parecia ser um corpo nu. João Ferreira da Cruz, sobressaltado e incrédulo, de imediato chamou a guarda. Quando as autoridades chegaram, já caíra noite cerrada mas não houve dificuldade alguma em verificar que se tratava de um cadáver de mulher sem cabeça, pernas e mãos”. A vítima era Matilde do Rosário da Luz.
Reza a história que, depois de viúva, Matilde mandou uma das filhas servir numa casa de família, ficando apenas com Maria José, a mais nova. Quando já era mais velha e vendedora de tapetes e esteiras conhecida em Lisboa, apaixonou-se por um homem mau chamado José Maria. Matilde não concordava com este namoro e tentou afastar os dois amantes, ameaçando fazer queixa de José Maria às autoridades.
Revoltada com a postura da mãe, Maria José matou a mãe à facada. Este episódio ficou muito conhecido graças à novela de Camilo Castelo Branco Maria! Não Me Mates Que Sou Tua Mãe. – “Maria, porque me matas? Maria minha filha, tiveste coração de rasgar aquelas entranhas que te geraram! Maria, porque me matas? Que mal te fiz eu, minha filha, para me dares esta facada por onde me foge a vida?”.
Com inúmeros detalhes, Camilo descreveu aquela noite fatídica como ninguém: Maria José matou a mãe, desmembrou-a, desfigurou-a e decapitou-a.
Mais tarde, depois da descoberta do corpo, a polícia acabou por chegar a Maria José, que foi detida por suspeitas de envolvimento no homicídio da própria mãe. Depois, as autoridades encontraram lençóis e facas ensanguentadas. Procuravam a cabeça da vítima, mas nada encontravam. Só quando começaram a levantar o chão da casa é que perceberam que Maria José tinha enterrado a cabeça de Matilde debaixo da cama. “Segundo se lê no processo, olhando para o crânio calcinado, a Matricida [como ficou conhecida na altura] calmamente confirmou tratar-se da senhora sua mãe ‘pondo-se a comer melância’”, contava a Revista, uma publicação da altura.
Quando foi detida e levada para o Aljube “só lastimava ter-lhe ficado em casa um galo e um coelho, que estava com grande sentimento de lhe morrerem à fome, tendo por tanto mais pena dos animais que da mãe”, refere o mesmo artigo.
Quando foi presente a tribunal, Maria José “explicou que esquartejara o corpo porque ‘inteiro pesava muito’ e que mutilara a cara para que não a reconhecessem pois tencionava jogá-la na rua, como fizera com as outras partes do cadáver”, escreve Joana Amaral Dias. E deu outros detalhes sórdidos: questionada pelo juiz sobre a forma como tinha desfigurado a mãe, explicou que “ao princípio foi com a faca, e não podendo acabar por causa do osso, foi com a machadinha”. Mas mesmo assim continuava a dizer que não tinha matado a mãe: o tal José Maria – que nunca foi descoberto – assassinou Matilde, ela apenas tinha desmembrado o cadáver e mutilado o rosto.
Maria José foi assim condenada à morte na forca, mas os defensores da abolição da pena de morte insurgiram-se contra este veredicto, confirmado pelo Tribunal da Relação. No entanto, o Supremo Tribunal acabou por dar razão a este grupo e ordenou que se repetisse o julgamento. Já em 1849, Maria José regressa à barra dos tribunais e o veredicto é o mesmo. No entanto, a Matricida acabou por ser poupada à pena de morte pela rainha Maria II.
Luísa de Jesus. A inimiga da inocência
Uma das histórias mais macabras em Portugal começou na roda dos enjeitados ou roda dos expostos, no século XVIII. Este era um mecanismo usado para abandonar recém-nascidos à porta de instituições, composto por um sistema cilíndrico onde a criança era deixada e, depois de ser rodado, ninguém sabia quem tinha abandonado o bebé. As vítimas de Luísa de Jesus, “a última condenada à morte em Portugal” que foi também “a maior homicida que o país conheceu”, eram bebés deixados na roda que existia na Misericórdia de Coimbra.
Ao todo, Luísa matou 33 bebés por estrangulamento. E o que ganhava com isso? Quem cuidava destes recém-nascidos abandonados recebia 600 reis em dinheiro, um berço e meio metro de tecido de algodão. Este rendimento mensal destinava-se às chamadas amas-de-leite, que deveriam cuidar das crianças até que estas atingissem os sete anos de idade. O objetivo de Luísa era apenas receber os bebés, livrar-se deles e ficar com o enxoval.
“Lúcifera [como ficou conhecida] terá começado por asfixiar um, outro e outro, e outros… mas com alguma organização, pelo menos ao princípio, já que desossou completamente os primeiros dez. Depois ter-se-á habituado ou até gostado, deixando de se ralar com a presença dos restos mortais e o cheiro da decomposição dos corpos na sua própria casa, mormente perto da cama onde dormia”, descreve Joana Amaral Dias
Mas como conseguiu Luísa fazer-se passar por mulher que conseguia amamentar? Existe a hipótese de a primeira vítima ter sido o seu filho recém-nascido. Daí que nas primeiras vezes que se dirigiu à Misericórdia mostrou ter leite para amamentar os bebés. Mais tarde, começou a dizer que que ia buscar bebés para terceiros.
E o seu marido? Uma coisa é certa: desapareceu. Se foi morto, se chegou a ser cúmplice nos crimes, se abandonou Luísa quando esta estava grávida, não se saber. “É certo que Lúcifera sofreu então de uma psicose pós-parto da qual nunca mais regressou”, escreve a autora no seu novo livro.
Luísa de Jesus só confessou ter matado 28 bebés, mas foi julgada pela morte de 33. A 1 de julho de 1772 foi condenada à pena de morte. “Assim, Lucífera foi atenazada [queimada com uma tenaz], sendo que o carrasco recebeu ordens para lhe decepar as mãos antes de a matar no garrote, um dos métodos mais cruéis de executar alguém, através de uma perfuração gradual do pescoço do condenado, amarrado a uma cadeira. Por fim, o seu corpo devia ser queimado ‘para que nunca mais houvesse memória de semelhante monstro’ – este castigo visava também (ou sobretudo) impedir que fosse sepultada religiosamente. Luísa de Jesus foi ainda condenada a pagar 50 mil réis em despesas judiciais”. Centenas de pessoas assistiram ao último suspiro de Lúcifera.
José Borrego. Um borrego com mão de lobo
José Domingos Borrego era apenas um menino quando foi abandonado pelos pais, em Penamacor. Aos nove anos já era pastor e apanhava tareias de meia-noite do seu patrão – o homem a quem tinha sido entregue – quando perdia uma cabra. Também ele acabaria por abandonar o Zé Borrego, que se fez homem junto de outros pastores no meio da serra da Malcata. Dormia nos currais e comia o que encontrava.
Conseguiu subir na vida e tornar-se vendedor ambulante de profissão. É por isso que, em 1970, já andava pelo distrito de Lisboa. Pernoitava num barracão em Porto Salvo. “Foi aí que, com uma serra, decepou os membros superiores de José Pedro dos Reis que, momentos antes, asfixiara com as suas mãos. De seguida, fez o mesmo às pernas e, finalmente, com uma faca de lâmina larga, separou a cabeça do tronco”, descreve a autora. Além disso, “picou-lhe os olhos, cortou-lhe as orelhas, raspou-lhe a ponta dos dedos, por ventura para que não fosse identificado pelas impressões digitais”, acrescenta. E tudo por causa de um empréstimo de cinco contos. Depois de matar o amigo, deitou-se ao seu lado e “dormiu que nem um bebé”. Quando acordou, atirou o tronco de José Pedro ao Tejo, que acabou por ser encontrado mais tarde no Seixal.
Mas esta não foi a única vítima de Zé Borrego. Seguiu-se o homicídio do alfaiate Leonel Abrantes da Cunha, cujo cadáver, “também mutilado, fora encontrado nas cercanias de Setúbal”. Em novembro de 1970, aos 43 anos, Zé Borrego foi detido pelas autoridades por suspeitas de estar envolvido nestes dois assassinatos. Mas estas não eram as únicas vítimas: a polícia conseguiu estabelecer a ligação entre o homicida e quatro mortos. “Relembre-se, todavia, que é ele mesmo que frisa e admite ter matado pelo menos mais dez, o que seria possível considerando não apenas o seu desprendimento como até a sua própria profissão, que o fazia andar de terra em terra, seguir viagem, porventura deixando menos rasto e poucas suspeitas”, diz Joana Amaral Dias.
Já na prisão, na Cadeia do Limoeiro, onde foi condenado a passar os próximos 30 anos da sua vida, Zé Borrego mata dois guardas prisionais que o terão espancado em diversas ocasiões. Quando a PJ lhe pediu para não matar mais ninguém, Zé Borrego aceitou o pedido, mas impôs uma condição: “Para poupar a vida aos guardas prisionais teria de acabar com a sua própria raça”.
E o que queria isto dizer? “Zé Borrego afirmou matar para livrar a humanidade do pecado que seria a homossexualidade masculina. Mas seria ele próprio gay? De acordo com estas conclusões da investigação é, de facto, altamente provável que fosse”, esclarece a autora.
Cumprindo a sua promessa – e apesar de a polícia o ter proibido de fazer o que fosse -, Zé Borrego foi encontrado morto na sua cela, pendurado pelo pescoço, enforcado nas suas próprias calças, menos de um ano depois de ter sido detido.
Caso arquivado. Quem matou as três irmãs?
Alguns psicopatas conseguem enganar as autoridades, sem nunca serem apanhados. Foi o que aconteceu com a pessoa que matou as “Três-Marias”.
Eram 09h30 do último dia de 1999. Faltavam menos de 24 horas para a entrada no novo milénio. Nenhum habitante da aldeia do Coucieiro, em Vila Verde, no distrito de Braga, quis faltar à última missa do ano. Olívia, de 65 anos, foi vista pela última vez momentos antes, a distribuir a rosca, o pão típico da zona. Enquanto isso, a sua irmã Rosa, de 70 anos, preparava o pequeno-almoço e limpava a casa, deixando a mais velha Ester, de 71, a descansar mais um pouco. Todas tencionavam, no último dia do ano, ir à missa e abrir a mercearia que funcionava na sua habitação. Mas nenhuma apareceu na igreja e, depois da eucaristia, as portas da mercearia estavam fechadas.
Foi um vizinho das “Três-Marias” que, achando estranho, começou a bater à porta. Ninguém respondeu. Chamou mais habitantes da aldeia e nada. Forçaram a entrada e depararam-se com um cenário dantesco. “Nem me quero lembrar. Foi num domingo. Um irmão delas estava aqui a tomar um galão. Passou uma ambulância, duas, três. Foi uma grande confusão. Quando descobrimos o que era, foi um choque”, relembrou João Pereira, dono do café Baralha.
“Maria Ester terá sido a primeira vítima e foi brutalmente golpeada no pescoço e peito. Possivelmente estava na cama quando foi surpreendida, levantou-se, levou nove facadas e morreu no chão da sala. Olívia e Rosa ainda estavam vivas, junto ao lado interior da porta da mercearia. Maria Rosa, com ferimentos graves na cabeça e no abdómen esvaiu-se em sangue. Morreu no dia seguinte, 1 de janeiro de 2000, no Hospital de Braga. Maria Olívia também foi resgatada do local ainda com sinais de vida. Apresentava profundas lacerações em todo o corpo e também ela perdera muito sangue. Permaneceu ligada a uma máquina, mas os ferimentos que sofreu eram demasiado graves e não conseguiu recuperar a consciência. Resistiu uma semana, em coma profundo. Os médicos acabaram por declarar a sua morte a 8 de janeiro de 2000”, descreve a autora.
No quarto estava tudo remexido: “O colchão, as gavetas de uma cómoda, de uma arca, roupa para fora, papéis espalhados pelo chão, como se o alheio tivesse procurado algo”. O autor do crime poderia ter levado o ouro das irmãs, mas apenas desapareceram 20 contos.
As autoridades estudaram o caso de várias perspetivas: uma rivalidade antiga, algum toxicodependente, um assalto que descambou, todas estas teorias foram colocadas em cima da mesa. Houve até alguns membros da população que alertaram para a possibilidade de o assassino querer roubar documentos de uma propriedade das três irmãs, mas nada ficou provado. Não foram encontradas impressões digitais e o sangue recolhido correspondia apenas ao das vítimas. Nunca mais se registou um episódio como este na zona, o que dificultou a elaboração de um perfil psicológico do autor do crime. Sem qualquer indício ou pista, o caso acabou por prescrever em 2014.
A casa onde tudo aconteceu lá continua no mesmo sítio, abandonada. Durante muito tempo, o Coucieiro viveu em pânico, no terror, descreve Joana Amaral Dias: “Muita gente respirou medo, tantos passaram a trancar portas e janelas na aldeia outrora confiante, a suspeitar do vizinho, a sobressaltar-se de noite. Houve quem chegasse mesmo a comprar armas para defesa pessoal”.
Além do medo, pairava ainda sobre o Coucieiro a revolta: “A sobrinha diz que ficou indignada já que nunca se encontrou o responsável. O filho de Ester comunga dessas emoções. Para António, fica sempre a remoer quem e porquê. É algo que jamais se esquece e que fica gravado até ao fim dos dias”.
Manuel Dias. Alentejano mas pouco
Manuel Alentejano, como era conhecido Manuel Pedro Ramalho Dias, era loiro, bonito, inteligente, carismático, um verdadeiro galã. Era adorado por Natália Correia e Mário Cesariny chegou a sair em sua defesa. Mas por detrás deste ar de estrela de Hollywood existia uma mente perversa, focada apenas na maldade. Foi o cabecilha de uma das maiores fugas de prisão da Europa e o autor de (pelo menos) sete homicídios.
Foi criado num reformatório e entrou no mundo do crime aos 14 anos. O primeiro homicídio ocorreu nos anos 60, durante um roubo. Depois matou dois elementos do seu grupo de assaltos – um por cobiçar a mulher de outro membro do gangue e o segundo durante o assalto a uma ourivesaria em Lisboa. A quarta vítima foi o barbeiro Horácio Resende, que teve a “ousadia” de tentar roubar o carro de Manuel Alentejano.
Acabou por ser detido e encarcerado na prisão de Vale de Judeus, o estabelecimento prisional de Alcoentre. Entretanto, várias figuras mostraram o seu apoio a Manuel Alentejano: após ter cedido três diários ao jornalista Jorge Trabulo Marques, Natália Correia decide ajudar o recluso e edita estes cadernos. “A edição esgotou e, em alguns círculos culturais, logo terá emergido um movimento, encabeçado por Mário Cesariny, apelando à libertação do assassino (…) Mas foi a própria Natália Correia que, após escutar o famoso psiquiatra Eduardo Luiz Cortesão, temperou tudo com bom senso (quem diria?) e recomendou que não se soltasse o psicopata por ser demasiado perigoso”, escreve Joana Amaral Dias.
Esta postura da poetisa poderá ser explicada por um episódio em particular: um dia, quando tinha saído em precária, Manuel Alentejano decide ir ao Botequim, estabelecimento de Natália Correia. Enervado com a ausência da autora, saca da pistola e mata um dos empregados. Diz-se que a bala estava guardada para Natália, que naquele dia estava no Porto. Andou vários meses a monte, mas acabou por ser apanhado e regressar à prisão.
Manuel Alentejano ficou conhecido pela sua frieza e pelas frases aterradoras que ia deixando nos depoimentos policiais e nas entrevistas que dava. “Depois de matar um homem fico sempre um pouco deprimido” ou “o que mais me aborrece é lembrar-me dos filhos pequenos dessas pessoas” são algumas delas. Mas o episódio mais conhecido nada tem que ver com homicídios. Em 1978, Manuel Alentejano encabeçou uma das maiores fugas de prisão alguma vez registadas na Europa. Durante quase dois meses, Manuel Alentejano e o seu grupo escavaram uma gruta de 35 metros de comprimento de 80 cm de diâmetro, com recurso a ferramentas tiradas da oficia.
“Na noite de 16 para 17 de julho, aos 31 anos e no auge da fama, Manuel Alentejano comandou os 124 reclusos que se evadiram da prisão mais segura de Portugal. O grupo principal demorou dois dias até chegar a Lisboa. A maior parte dos restantes foi detida nas horas imediatas, após uma operação que movimentou todas as forças policiais e muitos meios militares”, escreve a autora. Funcionário da cadeia citado no livro diz que só os cabecilhas tinham meios para, depois da fuga, desaparecerem. “Ainda hoje não se sabe para onde alguns foram”. Um deles só foi encontrado em 2005 pelas autoridades espanholas.
“O cérebro das toupeiras voltou a repousar os costados no cárcere um ano depois, após ser detido em novo assalto durante o qual cometeu mais um homicídio”, explica Joana Amaral Dias.
“Depois de cumprir 15 anos de prisão (no total esteve 24 anos detido), o homicida acabou por ser liberto. Em 2000, a justiça portuguesa, num daqueles imbróglios em que tropeça nos seus próprios pés e se enrola nas suas próprias mãos, ficou sem saber o que fazer a Manuel Alentejano. O homicida tinha uma série de penas para cumprir, mas que não podiam fazer o cúmulo jurídico – umas já tinham sido observadas outras não – enfim, um denso emaranhado para o qual a solução encontrada foi a concessão de um indulto presidencial. Desta vez, fuga em frente. Por duas vezes, o Presidente da República Jorge Sampaio recusou esse perdão, mas à terceira acabou por ceder”, descreve.
Quando saiu, Manuel Alentejano foi viver para o Alentejo, na companhia da avó. Entretanto casou e mudou-se para Lisboa. Voltou a ser detido aos 61 anos, por crimes de violência doméstica contra a sua mulher 20 anos mais nova (que seria sua prima) e o filho de ambos, na altura com 13 anos.