As eleições europeias da semana passada deixaram bem vincados dois factos: a Europa e, em concreto, o Parlamento Europeu mudaram ou estão a mudar; o eleitorado português acompanhou essa mudança mas, em expressão, afastou-se com uma estrondosa abstenção de 69%.
Centremo-nos apenas no primeiro e deixemos a abstenção eleitoral para outra crónica.
Pela primeira vez na história da Europa das comunidades, socialistas e populares, juntos, não atingiram a maioria no Parlamento Europeu. Ambos perderam deputados: o Partido Popular Europeu (PPE) perdeu 38 e os Socialistas & Democratas (S&D) perderam 35 deputados.
Parece-me claro que este é mais um sinal inequívoco de desejo de mudança. De vontade de abrir o pensamento político europeu e da necessidade de centrar políticas e ideais outrora marginais e de franja, colocando-as no topo da agenda política europeia.
Esta tendência e simetria na maioria dos Estados-membros da união é, desde logo, um aviso de que a cultura política tem de mudar. No que toca às políticas, à escolha dos protagonistas e à tomada de decisão.
A Europa continua balanceada para a direita, pela simples razão de o PPE ter elegido o maior número de deputados. Mas, como sabemos bem em Portugal, ganhar eleições não determina tomar as rédeas do Parlamento nem assumir a governação.
Será possível reinventar a geringonça a nível europeu? Haverá força e, sobretudo, coragem para mudar a tradição? Conseguirá a família S&D, com os restantes partidos (excluindo, naturalmente, os partidos radicais de direita), liderar uma alternativa?
O primeiro desafio já está em marcha e a reunião informal do Conselho Europeu deu indicações interessantes.
Perante esta nova composição do Parlamento Europeu, que tem eco na composição do Conselho Europeu, não é certo que o Spitzenkandidat mais votado venha a ser o presidente da Comissão Europeia.
Existe a intenção de recuperar o poder de escolha do nome a propor para presidente da comissão. Ficou claro que não está previsto em nenhum tratado um mecanismo automático que diga que o cargo tenha de ser escolhido de entre um dos candidatos principais. Os grupos políticos são livres de escolher os seus candidatos, mas a escolha do próximo presidente terá de ter em conta os resultados das eleições europeias.
Ou seja, em analogia, sendo o presidente da comissão o equivalente a um chefe de governo de um qualquer Estado-membro da União Europeia, aquilo que podemos concluir é que, à semelhança do que aconteceu em Portugal, poderemos brevemente ver decalcado na União Europeia e na eleição para presidente da comissão um candidato que não o da família política mais votada.
A acontecer, e honestamente seria bom que assim fosse, estaremos perante um momento histórico e de viragem na cultura política na Europa.
Estaremos perante uma nova dinâmica e uma nova forma de ler as escolhas dos eleitores. O fenómeno que, sublinhe–se, tem origem em Portugal está ainda no seu início e, que eu tenha conhecimento, não existe ainda pensamento académico sobre o assunto, nem análises sobre as repercussões nas reações do eleitorado.
Para já, o que me parece óbvio é que tudo isto irá certamente causar incómodo na família do PPE. A possibilidade de o partido mais votado não ter capacidade de influência suficiente para indicar o próximo presidente da comissão vai, no mínimo, criar muitos estados de irritação.
A chanceler alemã, nas imagens da reunião informal do conselho, não parecia muito preocupada, nem transpareceu nas suas declarações qualquer abertura para que a tradição não se mantivesse.
Legítimo, podemos dizer. O problema é que à mesa das negociações está também António Costa, o pai da geringonça. Por isso, não se espantem se em breve virmos à frente da comissão um clone seu, liderando uma versão europeísta da geringonça nacional.
Escreve à quinta-feira