Quem não vota consente


O nível de abstenção nas europeias foi aterrador e fragiliza a democracia.


1. Tal como quem cala consente, quem não vota perde autoridade moral para depois reclamar e até opinar. Mais grave ainda é que a abstenção a um nível próximo dos 70% também retira a Portugal peso e legitimidade para se encostar à União Europeia e pedir apoios. E logo num dos países que mais recebeu e mais desperdiçou dinheiros europeus, mas cuja população, em termos individuais, mais oportunidades teve como programas Erasmus e facilitação na circulação pela Europa e na formação profissional. Com um nível de participação destes nas europeias, é legítimo haver quem defenda que não votar implique não beneficiar pessoalmente de algumas das suas benesses. As explicações mais ou menos técnicas que, entretanto, foram sendo dadas ao longo da semana a respeito da abstenção, como a inclusão nos cadernos dos emigrantes e dos imigrantes (dos quais pouco se falou), não disfarçam um problema grave. Nem mesmo o Presidente Marcelo e o seu apelo dramático na véspera do escrutínio tiveram o condão de alterar a indiferença de grande parte da população que, provavelmente, é aquela que, depois, mais se queixa. Uma abstenção da dimensão que tivemos é uma fragilização da democracia que deve interpelar todos os cidadãos, começando nos dirigentes políticos, nos comentadores e nos jornalistas, e chegar ao cidadão comum, que não se deve alhear sistematicamente da sociedade e abdicar das suas responsabilidades cívicas. E não podemos consolar-nos com a circunstância de o número de votantes ter sido superior ao das últimas europeias em cerca de 30 mil, uma vez que o total de recenseados subiu em 900 mil.

2. Quanto aos resultados objetivos da consulta, o que há a dizer é sobretudo que as posições de cada partido dominante (PS e PSD) se mantiveram, embora com variações. O PS venceu, mas não convenceu. O PSD estabilizou numa fasquia mínima, mas suficiente para não entrar em convulsão. Já o CDS foi derrotado ao não conseguir entrar no eleitorado social-democrata que precipitadamente achava seu, depois do que sucedeu nas autárquicas em Lisboa. O Bloco de Esquerda foi um vencedor da noite. Inequivocamente e sob qualquer ângulo de análise. Mas o mérito é de uma Marisa que não canta, mas encanta alguns. Confirmou-se como o terceiro partido e o maior dos mais pequenos, mostrando que há um eleitorado sensível ao discurso da extrema-esquerda, embora sem perceber que é disso que se trata. O Bloco é, na realidade, um partido anti-Europa, anti-moeda única, que tem pactuado, contraditoriamente, com políticas de austeridade praticadas através de cativações só para não ser afastado do poder pelo PS. Os bloquistas voltaram a rasteirar o PCP e os seus inúteis acólitos Verdes, o que afasta o partido de Jerónimo de Sousa da geringonça. Os comunistas sofrem sistematicamente de uma sangria muito própria que tem a ver com o desaparecimento dos seus eleitores mais velhos, que não são substituídos em número suficiente por adesões de gente nova. Como se previa, o PAN acabou por ser o maior vencedor, ao chegar aos 5% de votos e eleger um eurodeputado. Num certo sentido, isso demonstra duas coisas: que há sempre um pequeno mas significativo espaço em Portugal para um partido de protesto (nas anteriores eleições foi o de Marinho e Pinto) e, por outro lado, que as preocupações com o ambiente se tornam cada vez mais efetivas, o que se confirma quando se analisa os resultados dos partidos mais virados para a ecologia nos outros países da União Europeia.

3. À medida que o PCP se afasta da geringonça e que o Bloco se chega ao regaço e ao conforto do poder governativo, António Costa busca alternativas para se manter no poder. A subida do PAN nas europeias deu-lhe o pretexto para procurar neste partido um parceiro permanente e não apenas intermitente, como tem acontecido. Vai daí, o líder do PS abriu os braços ao PAN numa entrevista à SIC, dada logo na segunda-feira. Será que Costa também vai conseguir domesticar o Partido Pessoas-Animais-Natureza?

4. Vieira da Silva não dá sossego. Semana em que a criatura não se faça notar é “Raríssima”. Na semana passada, o insuspeito Conselho das Finanças Públicas fez saber que o Governo não está a fazer as transferências devidas para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, sendo o dinheiro desviado para outras finalidades. A falha já tinha sido detetada pelo Tribunal de Contas que, como se sabe, não é propriamente uma entidade muito alerta, no que tem um manifesto parentesco com o Banco de Portugal. O PCP e o Bloco não veem, não sabem, não ouvem e não comentam este assunto altamente preocupante. É o preço das benesses que vão tendo, mesmo com o sacrifício das expetativas dos mais velhos, que supostamente deveriam proteger. Na Alemanha, as pensões e os descontos têm um valor igual a um bem imóvel. Cá, são vento.

Escreve à quarta-feira