Hoje em dia, e após décadas de progressiva degradação, a Barrinha de Esmoriz/Lagoa de Paramos está viva e recomenda-se. Estamos em presença de uma lagoa costeira que une os concelhos de Espinho e Ovar, banhando as freguesias de Paramos, em Espinho, e Esmoriz, em Ovar, daí o nome. Um projecto financiado pelo Programa Polis – neste caso, Polis Litoral Ria de Aveiro –, iniciado em finais de 2016 e parcialmente concluído cerca de um ano depois, permitiu devolver à lagoa o encanto perdido. E mesmo de encanto se trata, já que toda a área envolvente é de extraordinária beleza e surpreendente diversidade. Começando pelas praias de Ovar – Torrão do Lameiro, Furadouro, Cortegaça, Esmoriz –, nesta altura ainda despidas de gente e de bulício, perde-se a vista nos extensos areais dourados que se chegam ao mar ora estendidos, ora dobrados sobre uma fiada de rochas. No dia ensolarado e ameno, céu e mar distinguidos nos azuis, era tal a calmaria que até o suave estremecer das águas se enrolava na areia só com fiozinhos de espuma. Chegados a Esmoriz, há que encontrar uma entrada nos passadiços de madeira que, em oito quilómetros, dão a volta à lagoa. Caminha-se sobre pequenas dunas, juncais, charcos de águas claras e vegetação rasteira onde rãs e patos se escondem, e, sem perder de vista o mar tranquilo, começa-se a avistar a barrinha, primeiro o canal que a liga ao mar, depois a lagoa a alargar e a esgueirar-se por entre os canaviais. Revoadas de pássaros a riscar o silêncio que tudo envolve na brisa que abana suavemente. E então alcança-se a ponte sobre a lagoa, ponte que leva à praia de Paramos e, pode dizer-se, liga o Norte e o Centro. Aí, a paragem é obrigatória: o azul forte da lagoa sob o suave azul-celeste contrasta com os verdes em redor e o ténue dourado das areias que, lá ao fundo, descem até ao mar. Uma beleza!
Além disso, Ovar tem mais que se lhe diga. A cidade vareira é tida como “Museu Vivo do Azulejo”, tantas e tão diversas são as fachadas azulejadas dos séculos xix e xx. A chamada Rua do Azulejo mais não é do que um percurso turístico que permite observar as fachadas mais emblemáticas, e mesmo os passeios estão decorados com tapetes azulejares! Iniciativa curiosa, sem dúvida. Enlevados na observação dos azulejos, acaba-se por ir à vila de Válega, onde já se encontra a Ria de Aveiro, melhor dizendo, os esteiros da ria, mas cuja principal atracção é a Igreja Matriz, i.e., a azulejaria interior e exterior. O templo, iniciado em meados do séc. xviii, viria a ser objecto da intervenção, já no séc. xx, que lhe conferiu o aspecto actual: tecto de caixotões de madeira exótica, interessante, e originais painéis de azulejos, enormes e coloridos; mais espantosos ainda são os painéis da fachada principal. Só visto.
Todo este devaneio paisagístico não passa da tentativa de aligeirar o choque de mais uma pancada da abstenção. Por aí fora, as eleições europeias foram atacadas pela doença, que tende para a cronicidade, mas Portugal foi dos mais atingidos. O que é sinal de epidemia à vista que é preciso estancar. É urgente inventar – e que ninguém se exclua – um qualquer medicamento social inovador capaz de regenerar o corpo da democracia. Enquanto é tempo.
*Gestora
Escreve quinzenalmente, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990