Asiáticos vencem de novo em Cannes. Coreano Joon Bong-ho ganha Palma de Ouro com Parasite

Asiáticos vencem de novo em Cannes. Coreano Joon Bong-ho ganha Palma de Ouro com Parasite


Parasite vence a Palma de Ouro, Antonio Banderas e Emily Beecham ganham prémios de interpretação. Manos Dardenne considerados na melhor realização. Prémio FIRESCI para palestino Elia Suleiman, com It Must Be Heaven.


Parasite, a comédia ácida temperada por momentos de terror, assinada pelo coreano Joon Bong-Ho, foi o vencedor da Palma de Ouro, num prémio apresentado por Catherine Deneuve. Foi essa a decisão do júri presidido por Alejandro Gonzálo Iñárritu – segundo o próprio justificada pela unanimidade dos restantes membros. Um prémio que acaba por celebrar também o centenário do cinema coreano, como referiu o realizador ao receber o galardão, “por isso este é também um grande prémio para o cinema coreano”.

Não deixa de ser irónico como um ano depois de Shoplifters, de Kore-Eda, vencer a Palma de Ouro, eis que Parasite nos faz recuperar um pouco essa luta desigual entre classes. Apesar de diverso no seu todo, todos perceberam essa proximidade. A outra curiosidade é que um ano antes, em 2017, Joon Bong-Ho havia estado em competição com Okja, o filme da Netflix que motivou vaias quando o logo apareceu no ecrã. Não deixa de ser caricato como dois anos depois, o coreano regressa para arrecadar a Palma de Ouro. Enfim, é caso para dizer, ironias do destino.

Concretiza-se assim o favoritismo que o filme foi granjeando ao longo do festival, nas classificações nos jornais da indústria. Verdadeiramente delirante este choque entre uma família burguesa coreana e uma de pobres ‘parasitas’ aliando o lado mais selvagem da nossa sociedade a um vigoroso espetáculo em que os mesmos defeitos de ambas acabam por se misturar e vampirizar.

Pelo caminho ficaram assim as aspirações de Quentin Tarantino em renovar a sua Palma de Ouro 25 anos depois de Pulp Fiction, com Once Upon a Time in Hollwood, tal como Pedro Almodóvar em finalmente conquistar tão almejado prémio com Dor e Glória, em particular num filme moldado para esse fim. Antonio Banderas acabou por se substituir a Almodóvar ao vencer o prémio de melhor ator, ao passo que Emily Beecham, por Little Joe, um filme nenos conseguido de Jessica Hausner, arrebatou o galardão feminino.

Surpresa foi a atriz e realizadora senegalesa Mati Diop conquistar o Prémio do Júri, uma espécie de segundo lugar, com o elegante e belo, mas algo desiquilibrado, Atlantique, sobre aqueles que partem e os demónios que ficam. Um prémio que distingue também a primeira realizadora africana em Cannes. O pódium acabou por ser preenchido, mas também dividido, por um Prémio do Júri carregado de tensão social, atribuído ex aequo à tensão social vivida em Paris, revivida em Les Misérables, de Ladj Ly, e ainda a resistência no Brasil, com Bacurau, de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. De referir que no dia anterior, um outro brasileiro, Karim Ainoux, vencera o prémio da secção Un Certain Regard, com o excelente A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, relatando a crónica de duas irmãs, filhas de uma família tradicional portuguesa dos anos 50 (bem representada por António Fonseca), no Rio de Janeiro, acabam por viver separadas, mas sem saberem que viviam ambas no Rio. O palestino Elia Suleiman, que já ganhara o prémio da crítica internacional, no qual contribuímos, com It Must Be Heaven, recebeu uma menção honrosa.

Ou seja, apesar de uma Seleção Oficial recheada de nomes sonantes, percebeu-se o cuidado do júri em premiar novos realizadores. Do palmarés deste ano acabam por sobressair os nomes dos franceses Ladj Ly e Mati Diop que passam assim a ter uma outra voz no panorama do cinema internacional. O que significa também o olhar para filmes de qualidade superior. Por exemplo, Terrence Malick que convenceu com A Hidden Life, sobre a resistência ao nazismo, tal com Marco Bellochio com Il Traditore, um fresco sobre a “cosa nostra”. Menos compreensível é o prémio algo forçado para a realização de de Jean-Pierre e Luc Dardenne, em Le Jeune Ahmed, a premiar mais a delicadeza do tema do que a fluidez e simplicidade do trabalho de câmara no registo que já nos habitou ao longo de toda a filmografia Dardenne. Fosse argumento ou algum prémio intermédio e seria compreensível.

De referir ainda o prémio de guião para Portrait d’une Jeune fille en feu, da francesa Céline Sciamma, a sublinhar a força do cinema francófono no palmarés, embora o prémio que todos aguardavam fosse a distinção da duas atrizes, Noémie Mmerlant e Adèle Haenel, no romance entre uma pintora e o seu modelo.