A notícia da morte do império do chefe Jamie Oliver caiu que nem uma bomba, principalmente no Reino Unido, onde o conhecido chefe teve de fechar 22 dos 25 restaurantes, tendo colocado em causa mais de mil postos de trabalho.
Os maus resultados – com perdas de cerca de 20 milhões de euros no ano passado –, agravados por uma concorrência cada vez mais forte, foram os principais motivos. Mas terão sido os únicos?
Vítor Sobral, conceituado chefe português, dá ao i a sua visão para o descalabro do império de Jamie Oliver.
“A maior causa para este tipo de situações, como aconteceu com o Jamie Oliver, está relacionado com o facto de a partir do momento em que existe um chefe que tem 45 restaurantes, ele tem de deixar de ser chefe e tem de ter uma empresa. Essa empresa tem de ter diretor financeiro, diretor de recursos humanos, diretor de marketing, tem de ter uma estrutura como uma empresa normal tem, seja ela de que área for”. Vítor Sobral confessa ainda que lhe faz “muita confusão alguém que tem tantos restaurantes não ter uma estrutura que faça a gestão desses espaços, como uma Starbucks ou um McDonald’s”. “Porque, na verdade, é isso que é. Com um produto diferente, mas é isso que é”, acrescentou.
Para o chefe português, a qualidade da comida nestes casos não é o fator principal até porque “quem vai a um Jamie Oliver não vai à procura de qualidade da comida, vai à procura de uma marca, de um produto”. E vai mais longe: “Se fossem à procura de qualidade da comida não iam a um chefe que tem tantos restaurantes”. Na verdade, nos últimos tempos, os restaurantes de Jamie Oliver perderam muitos clientes para restaurantes concorrentes.
Pelo mundo, vários críticos citados pela imprensa internacional garantem que o preço médio das refeições nos restaurantes do chefe foram “a receita para o desastre”.
O chefe Nuno Queiroz Ribeiro confessou ao i que foi com pena que recebeu a notícia e que a perda do controlo da situação terá sido a principal causa para o desmoronamento do império. “Não quero criar um juízo de valor a dizer que é por ambição a mais, mas eu honestamente não conseguiria fazer o que o Jamie fez”, confessou, acrescentando que o crescimento desmedido é perigoso nestes casos e que os lucros são, claro, fundamentais. “Eu acho que essas coisas estão muito relacionadas com o crescer demasiado, ser demasiado grande. E depois perde-se o controlo”, diz, lembrando que em várias ocasiões tentou contactar o chefe para que ele viesse a Portugal colaborar consigo e com o Governo, e não havia previsão da vinda de Jamie Oliver a Portugal. “E ele tem cá um restaurante”, frisou. “Quando deixamos de ter mão na operação e a coisa começa a ficar grande demais, as pessoas deixam de ser pessoas e passam a ser números. Para mim, ele perdeu o controlo absoluto da operação e acho que quando um chefe de cozinha perde o controlo sobre a sua operação, isso começa a ser perigoso”, lamentou Nuno Queiroz Ribeiro.
“Um restaurante pode ir à falência por milhares de razões” Também o chefe Ljubomir Stanisic deu a sua opinião ao i: “Um restaurante pode ir à falência por milhares de razões. Eu próprio fui à falência com o meu restaurante em Cascais, em 2008, na altura da crise. No meu caso, penso que a principal falha foi não estar consciente do que constitui uma boa gestão”. Mas os motivos podem ser muitos: “Pode também haver uma má gestão da oferta, daquilo que estamos a vender – no caso dos restaurantes, comida sem qualidade, sem procura, desatualizada ou com a qual as pessoas não se identificam”. Uma má liderança, uma má equipa ou alguém que rouba são também fatores apontados pelo conhecido chefe. “Isso leva os restaurantes a não atingirem os lucros necessários e a irem à falência”.
Ainda assim, o fator número um para este tipo de casos é claro: “A gestão dos números e contas. Temos de saber o que vendemos, quanto compramos, como gerimos o stock, onde conseguimos e como conseguimos obter retorno financeiro”, conta Ljubomir.
Referindo-se concretamente ao recente caso de Jamie Oliver, que considera “um homem de negócios, com uma presença mediática enorme e que criou um império à volta dele”, Ljubomir não tem dúvidas: “Existe uma certa ganância associada a este processo de abrir dezenas ou centenas de restaurantes que é incompatível com manter um controlo total sobre eles. Acho que é fisicamente impossível dar a cara a dezenas de restaurantes e geri-los com a qualidade necessária”. Não criticando as opções de Oliver, até porque lhe reconhece “imenso mérito”, considera que o seu negócio se tornou “muito impessoal”. Ljubomir lamenta ainda as pessoas que agora perdem o seu emprego com a queda deste império.
Caso de Oliver não é único Os apaixonados por programas culinários já ouviram falar de Erick Jacquin. Apesar de ser francês e de ter construído um grande império de restaurantes naquele país, é no Brasil que agora dá cartas. Conhecido, entre outros, por ser jurado da versão brasileira do Masterchef e apresentador do Pesadelo na Cozinha do Brasil, Jacquin é famoso por não ter papas na língua e ser muito exigente. Certo é que em 2013 fechou o La Brasserie, nove anos depois de ter aberto as portas daquele restaurante, situado num bairro em São Paulo. O principal problema? A falta de dinheiro. “Foi o pior dia da minha vida. O que faz acontecer tudo na vida é o dinheiro. A pessoa que disser que o dinheiro não é importante é rica. Nunca ouvi um pobre dizer isso”, chegou a dizer na altura em que fechou as portas, negando ainda a falta de qualidade dos seus serviços.
Outro chefe muito conhecido pelo público cujo negócio já passou por momentos complicados é Gordon Ramsay, também ele muito famoso pelos programas que apresenta e pela vasta cadeia de restaurantes. Chegou a constar vários anos na lista de chefes mais bem pagos do mundo mas, nos últimos anos, as quedas têm sido grandes, tendo o grupo de restaurantes atingido perdas de 3,8 milhões de libras (aproximadamente 3,3 milhões de euros) em 2017. Desde 2012, a empresa de Ramsay só fechou um ano com lucros. Apesar de ter fechado um restaurante em Londres, em 2017, o negócio continua.