Como vê a ALEP o fenómeno do alojamento local em Portugal?
Começámos a entrar agora numa fase de alguma maturidade. O alojamento local, em boa parte, era algo desconhecido. Hoje acho que é claro: não é uma moda passageira, não é uma ideia gira, não é um pequeno segmento qualquer de mercado. É sim um dos pilares do turismo em Portugal. E é também uma tendência mundial. O alojamento local já deve representar mais de um terço das dormidas. Em alguns dos destinos mais importantes a nível nacional, como por exemplo, Lisboa e Porto, o alojamento local já ultrapassa os 40%, chegando a aproximar-se de 50% das dormidas. Mas o mais importante é que alguns dos destinos inovadores, aqueles em que queremos apostar, quando descentralizamos o turismo – estamos a falar de praias, destinos ecológicos, e o interior que tanto queremos desenvolver – o alojamento local é, na maior parte das vezes, o tipo de alojamento turístico que mais tem condições de levar o turismo de forma gradual e sustentável para essas zonas, onde só há capacidade para ter uma, duas ou três casas. Ou seja, não são grandes instalações. O alojamento local está também a afirmar-se como um dos grandes instrumentos da descentralização do turismo, especialmente para levar para o interior e para freguesias onde ainda não se via os benefícios do turismo de uma forma, claro, gradual.
Quando diz que representa já mais 40% em Lisboa e Porto, o que acontecia antes desta oferta? Os turistas iam para onde?
Tanto em Lisboa como no Porto – e esse é um dado importantíssimo para ver o quanto o alojamento local contribui para o crescimento do turismo dos últimos anos – sem alojamento local não teria havido o crescimento do turismo. Porquê? Porque os hotéis, principalmente, em Lisboa e no Porto continuaram a crescer em termos de hóspedes, de dormidas, de receitas, mas o alojamento local veio complementar essa oferta. Isso significa que se não houvesse alojamento local não tínhamos como alojar, nem como fazer uma Web Summit ou uma Champions League. E não só não tínhamos capacidade de fazer grandes eventos como também não conseguíamos receber tantos turistas porque nos meses altos, os hotéis estão, felizmente, em Lisboa e no Porto com capacidades na ordem os 90% e o alojamento local também está a trabalhar regularmente com boa capacidade. Portanto, não teríamos conseguido o crescimento que se obteve no turismo sem o alojamento local.
É um setor que convive bem com a oferta hoteleira?
É um setor que é um complemento, que traz, acima de tudo, diversidade, outros tipos de alojamento para pessoas que naquela viagem ou em geral, preferem outras experiências. Uma das características principais do alojamento local é isto, a diversidade. E traz diversidade porque ele próprio é diversificado. Posso ficar num apartamento pequenino ou num apartamento grande de luxo. Posso ficar numa moradia isolada, num centro urbano ou numa casinha na montanha.
Temos a casa do presidente em Monsanto, por exemplo…
Dizem que sim, que virou hostel. Posso ficar num hostel, posso ficar numa guest house boutique, num guest house surf, numa guest house escológica, etc. Posso estar com a minha família toda, posso estar com os meus amigos, numa guest house romântica ou sozinho. O alojamento local tem uma flexibilidade muito maior, aliás é uma boa solução para quem viaja em família. Os avós e os netos querem estar juntos, mas não no mesmo quarto. Até podem ficar todos num apartamento, mas cada um tem o mínimo da sua privacidade. Isto vem dar respostas a uma série de necessidades dos viajantes. E essa nova vaga de turismo, com a democratização do turismo, em que as pessoas viajam mais vezes com os filhos ou com amigos, também surgem outras necessidades de alojamento e é por isso que o alojamento local tem crescido e ajudado tanto a economia. O alojamento local passou a não ser só um pilar como também uma arma estratégica de Portugal. Portugal está à frente da maior parte dos países no que diz respeito à oferta e à regulamentação do alojamento local. Somos um dos poucos países que tem isso já bem definido.
Quando fala da diversidade, o turista pode ir, por exemplo, para o alojamento local numa viagem e depois numa outra altura ir para a oferta tradicional de hotéis…
Acontece completamente. É errado dizer que é outro público.
A Associação dos Hotéis de Portugal chegou a falar de turista “pé descalço”…
Então isso significa que quase 50% dos nossos turistas são pé descalço? Não tem a menor lógica. A média dos nossos valores por noite até está a ficar igual à média praticada na hotelaria. É uma forma de defesa, ninguém acredita que quase metade de turistas que recebemos nunca viajou. Até parece que os tirámos das savanas, das selvas, isso é ridículo. O que acontece é que o turista não está preocupado como é que está classificado, catalogado. Há alguns que são fiéis a hotéis 5 estrelas, outros que são fiéis só ao alojamento local, mas a verdade é que o público é diferente para cada viagem. O que quer dizer que quando viajo vou querer um tipo de alojamento consoante a motivação. E aí somos concorrentes.
Acha que Portugal está a virar um pouco as costas a essa aposta?
Não, até pelo contrário. Portugal é um dos países que mais sensibilidade tem para a importância estratégica do alojamento local. É um dos países que mais informação tem sobre o seu peso. O peso que estamos a discutir, lá fora ninguém sabe. É um dos países que mais se antecipou em termos de regulamentação. Portugal está a tentar encontrar o caminho, podemos às vezes não concordar com algumas decisões, mas há aqui uma estratégia de dizer ‘isto é uma tendência importante mundial e quem estiver à frente vai ter uma posição estratégica diferente a nível internacional’. Nós temos de aproveitar essa oportunidade enquadrando bem e aqui tentando minimizar qualquer tipo de dificuldade, obstáculos ou impactos que vão surgindo. Não é fechar as portas, como está a acontecer muitas vezes, do género: “Nem quero falar nisso, nem quero tentar encontrar uma solução para os problemas que aparecem”.
Mas está muitas vezes associada ao problema da habitação. Acha que está a ser usado como bode expiatório?
Só nos centros históricos que representa menos de 30% do alojamento local. E mesmo nisso, Portugal está a ser pioneiro porque com a nova legislação permite manter a atividade de uma forma homogénea em todo o país e em determinadas zonas onde possa haver uma pressão pode ser feito um ajuste. Mas não é ajustar ou reinventar o alojamento local. São ajustes muito localizados onde há problemas. Isso é contrário do que acontece em outros países, onde a reação, às vezes, é “eu não quero saber de novidades”.
É o caso de Berlim?
Berlim fez isso há alguns anos e foi o caso mais drástico, agora está a voltar atrás porque está a perder ação atrás de ação nos tribunais. Vai agora para o Supremo e porquê? Porque a decisão foi tão irracional, tão demagógica, tão extrema, sem uma justificação clara e explícita. O alojamento local era uma gota de água no problema da habitação. Uma cidade que estava preocupada com sete, oito mil alojamentos locais que estavam a surgir, e de repente, essa mesma cidade vende para uma empresa privada 116 mil apartamentos sociais.
Há uma incoerência…
Há uma incoerência enorme. Mais uma vez, precisaram de encontrar um bode expiatório para erros absolutamente estruturais.
Mas, indiretamente, acabou por influenciar os preços em Portugal…
Faz parte de um fenómeno de transformações de alguns centros urbanos e ao revitalizar certas áreas há um aumento de preços. Mas cada um desses fenómenos é completamente distinto de cidade para cidade e ir buscar ideias a outras cidades é completamente disparatado. Comparar Berlim com a realidade de Lisboa não tem a menor lógica. Para começar, eles não têm uma lei nacional e nós temos, eles não têm um centro histórico com um terço dos imóveis vagos e nós tínhamos. Portanto temos aqui um potencial enorme. O problema da habitação não se deve apenas ao crescimento do turismo, está também relacionado com um conjunto de outros fatores. Um deles foi a alteração da lei do arrendamento, outro foi a retoma de mercado, o investimento estrangeiro como os vistos gold, tudo isso trouxe investimento e fez com que Lisboa e e o Porto se tenham tornado de novo cidades atrativas e levou ao renascimento do seu centro histórico. Ninguém queria, a não ser a população que já estava lá, viver no centro histórico. E tanto assim é que 32% das casas estavam vazias em Santa Maria Maior. O mesmo aconteceu com o Porto e isso trouxe uma transformação grande para estas zonas. Claro que nestas zonas começa a ser praticado um preço muito alto, deixando para trás habitantes de classe baixa ou média baixa ou rendas baixas. Sempre que se melhora uma zona da cidade acaba por atrair habitantes mais ricos ou estrangeiros ou turismo, seja lá o que for. Isso cria uma grande pressão. Ao mesmo tempo, os lisboetas estão a começar a querer voltar para cidade e estamos a falar de 300 mil lisboetas que saíram. Basta 10% quererem voltar para Lisboa para temos uma crise habitacional. E tudo isso é um problema que vai demorar uma década ou mais para começar a ser resolvido. O problema é quando começa a haver mais procura, os preços aumentam e não é por ter alojamentos locais no centro histórico e que ocuparam espaços que estavam deteriorados que vai ter influência na cidade toda. Não é banir o alojamento local que vai resolver o problema da habitação e dos aumentos dos preços. Berlim baniu e mesmo sem alojamento local os preços aumentaram 21%.
Já não pode ser essa a justificação…
Vai acabar o bode expiatório e quem tiver de dar explicações vai ter de inventar outra.
Mas agora existem zonas de contenção em Lisboa…
O que é importante é entender o que é que a lei permitiu às câmaras fazer e em que condições. Fala-se muito “agora as câmaras vão regulamentar o alojamento local”. As câmaras não podem regulamentar o alojamento local a não ser num aspeto específico que são as zonas de contenção. Quem regulamenta a atividade em si é a lei nacional. E isso é uma vantagem porque as regras que o alojamento local tem que cumprir são iguais para todos, caso contrário era injusto. Não faria sentido abrir mais facilmente um alojamento local no Porto do que em Lisboa, não teria lógica nenhuma. O que a lei permitiu foi que as câmaras criassem um regulamento de zonas de contenção onde houvesse pressão, para poderem agir no sentido de criar algum tipo de contenção. Não precisa de ser suspensão ou de proibição, pode ser uma gestão inteligente do crescimento. Mas para isso é necessário ter critérios objetivos e claros, tem de existir os tais indicadores e é nisso que nós temos batido a tecla. Não é dizer que se aquela freguesia não pode ter mais eu também não quero. Caso contrário acaba com a atividade ou até com o próprio desenvolvimento do turismo na cidade. Não pode ser uma mera questão de joguinhos políticos ou de questões de protagonismo.
Essas zonas de contenção ainda não estão definidas?
Não. Em Lisboa foi feita uma medida preventiva, provisória que foi suspender o licenciamento em certas zonas. Agora vai ser apresentado o regulamento que vai indicar quais são as regras gerais para a cidade e definir a partir de quanto é pode haver uma zona de contenção. No caso de Lisboa, um pouco por indicação da lei, fizeram uma percentagem de números de alojamentos locais versus o total de casas e indicaram que quando ultrapassar determinado limite haverá um indício de pressão. E aí se entenderem podem pedir ou criar algum tipo de restrição. São esses indicadores que são os critérios claros e permitem que as pessoas possam olhar para aquelas zonas e concluírem se podem ou não investir ou porque já ultrapassou ou porque está quase a ultrapassar.
Aí estamos a falar praticamente da Mouraria, Alfama, Castelo, que serão as que estarão mais próximas desse indicador máximo?
Sim. O que sempre dissemos foi que o alojamento local esteve muito concentrado nessas cinco ou seis freguesias que estão localizadas no centro histórico ou arredores do centro histórico, como Belém, embora com menor intensidade. Fora dessas zonas, o alojamento local nunca teve essa expressão. No outro dia ouvi na televisão falarem do Areeiro, mas abriram aí sete unidades de alojamento local no primeiro trimestre. Ao sair dessa zona, a atividade turística diminui muito e era também nesse eixo onde havia a maior parte dos imóveis vagos e degradados.
Já são conhecidos esses indicadores?
No estudo inicial falava-se em 20%, agora já se fala entre 10 a 20%.
E isso justifica a queda que tinha dito há semanas de novos licenciamentos terem caído 60% em Lisboa e 40% no Porto.
O Porto não teve ainda zonas de suspensão, por isso, a queda de 40% nos novos registos não pode estar relacionada com este regulamento. O que aconteceu a nível nacional é que houve um resfriar nas novas aberturas, incluindo na cidade do Porto, onde se dizia que ia explodir. Em Lisboa ocorreu uma queda um pouco mais acentuada e aí há algumas razões específicas. Uma delas foi a antecipação de registos que aconteceu logo antes de decretarem a suspensão.
Como aconteceu com os combustíveis…
Exato. É óbvio que, de uma forma errada e péssima, acabou por desvirtuar os números porque fizeram o registo, mas nem sabemos se realmente estão interessados em avançar. E se houve um pico maior significa que nos meses seguintes haverá um pequeno ajuste, daí Lisboa ter tido uma queda superior aos outros. O certo é que houve essa queda em todos as zonas, mas isso tem a ver com a maturidade do mercado. Era impossível manter o ritmo de crescimento que estávamos a ter e com o abrandamento do turismo que se está a sentir. Isto quer dizer que sem precisar do regulamento no Porto e sem ter entrado em definitivo em Lisboa houve um abrandamento da atividade, uma auto-regulação do mercado. É impossível achar que vamos crescer, crescer, crescer e depois não há clientes. Não tem lógica isso. Acredito que o crescimento da oferta vai abrandar e vai haver uma disputa pela melhor qualidade. Só aqueles que têm maior qualidade vão vingar e os que têm menor qualidade vão acabar repensando. A grande vantagem do alojamento local é que esse repensar tem flexibilidade. O que ele tem é um imóvel que serve para habitação no dia seguinte. Sei de muita gente que entrou nisso porque via nas notícias quando nos atacavam. Aliás, os presidentes das juntas foram os maiores promotores do crescimento do alojamento local. É como o problema da suspensão. Sempre que vou para os jornais e digo “temos de parar com isto porque isto é a galinha dos ovos de ouro”, ou porque eles ganham não sei quanto está a ser dada uma ilusão do mercado e acaba por atrair muita gente, muitas vezes até com as expectativas erradas.
E defraudou muitas expectativas?
A maioria tinha expectativas fora da realidade. Não era uma atividade conhecida onde já se conhecia as estruturas todas. Não, era uma coisa nova, as pessoas não sabiam direito. Houve muita gente que entrou com uma expectativa falsa e errada, agora estão a ver que dá muito trabalho: sábado, domingo, férias e o rendimento não é nada daquilo que falaram. O rendimento não é o que eu recebo é o que sobra no final do ano. O alojamento local não tem nada a ver com o arrendamento tradicional, tem uma lista de custos gigantes: comissões, IVA e o IRS no final do ano. Portanto, aquilo que sobra, ao contrário do arrendamento tradicional, é muito menos. E hoje estão a perceber isso. E mesmo que pudesse ganhar um pouco mais, estou a ganhar 100 ou 150 euros a mais num T1 no centro da cidade à custa do meu fim de semana, da minha vida particular, são horas e horas por semana. É normal que agora com a maturidade, essa fase do encantamento abrande.
Então a tendência é para manter o abrandamento em termos de novos registos?
A tendência é acalmar. E os que ficam têm de apostar no aumento da qualidade, além disso a concorrência vai obrigar a ter uma postura muito mais profissional. A vida do alojamento local depende dos reviews, quem nos julga é o cliente final. Podemos ter um anúncio com os melhores fotógrafos do mundo, mas se o cliente for para lá e perceber que não é o real, basta ter duas reviews negativas para o meu apartamento ir lá para baixo no ranking. Aqui há quase uma ditadura da qualidade imposta pelo consumidor.
Para evitar comprar gato por lebre?
Posso não ter ar condicionado, mas posso ter uma ventoinha, uma vista fantástica e se o meu cliente não quer ar condicionado, mas quer uma ventoinha e uma vista fantástica desde que entregue isso vai sair feliz da vida. Vai-me dar uma pontuação 10, mesmo ser ar condicionado. Mas se chegar lá e se a vista não for fantástica e mesmo que dê um ar condicionado não me vai servir de nada. O alojamento local mudou o paradigma do que é qualidade. A qualidade é satisfazer aquilo que o cliente quer e não impor aquilo que acho que ele quer. E foi essa a grande transformação em termos comportamentais que o alojamento local trouxe.
Acha que há um ano essa discussão era feita por todos, mesmo sem terem a noção desta atividade?
Uma das coisas frustrantes nesse debate é que foi polarizado sem apostar em alternativas ou soluções. E foi o que tentámos trabalhar e aprofundar porque existem questões que podem ser abordadas. Fizemos reuniões e propostas com a Câmara de Lisboa e do Porto, inclusive mostrando o que poderiam ser zonas de pressão e indicadores para termos uma base objetiva para se trabalhar e contribuímos e vamos continuar a contribuir com possíveis medidas proporcionais. Existe uma lei diretiva de serviços comunitária que diz que só é possível proibir uma atividade se houver uma razão muito grande. A habitação pode ser, mas tem de ser proibida de forma proporcional. Não posso dizer que há um problema em Santa Maria Maior e suspender, como muitos pedem, Lisboa inteira. Então se não há alojamento local nas Olaias ou Benfica então porque é que vou suspender a atividade nessas zonas se há imóveis em ruínas que ninguém usa há mais de 30 anos? Tudo deve ser proporcional, ou seja, permitir crescer a oportunidade, mas sem causar pressão grande em zonas onde há pressão. Portugal é de longe o país que tem o maior índice de operadores legalizados. Antes de começar o boom do alojamento local, o Algarve era quase tudo ilegal. Hoje diria que em Lisboa e Porto a ilegalidade é marginal, no Algarve ainda temos um desafio porque ainda há muito o boca a boca. Trazer a oferta para a legalidade foi uma das grandes conquistas e Portugal lidera a nível mundial.
O que tem impacto nos impostos…
Talvez seja esse um dos sinais que mostra que Portugal está vários passos à frente. No caso dos impostos, houve uma declaração da secretária de Estado do Turismo a dizer que a arrecadação de impostos duplicou ao passar de 60 para 120 milhões e estamos a falar de 2017, não tem em conta os números de 2018, onde houve um grande boom desta atividade. E depois temos a taxa turística em que o alojamento local já contribuiu com metade em Lisboa. Os valores rondam agora os 8 ou 9 milhões, mas se calhar para o ano já estamos a falar de 18 milhões de euros. A estes valores há que somar ainda os do Porto. O SEF também teve uma explosão de boletins de alojamento nos últimos três anos e ninguém entendia porquê, a explicação é o próprio alojamento local ao entrar na legalidade teve de cumprir as obrigações todas, uma delas é o reportar os turistas estrangeiros.
Mas reconhece que é um setor que cria muitos ódios?
Foi uma atividade que foi muito usada como instrumento político, especialmente na campanha eleitoral das autárquicas. E a partir daí ganhou um debate de polarização, em campanhas eleitorais é preciso radicalizar um pouco para transmitir uma mensagem e foi o que aconteceu. Pegamos numa situação específica de uma ou duas freguesias e discutimos o alojamento local como um todo quando aquilo representava uma pequena parte.
E como vê a polémica Robles?
Mostra o risco que é a instrumentalização política de usar um tema qualquer importante como um carro de batalha numa fase eleitoral, especialmente em eleições locais que são mais sensíveis a este tipo de questões. Perdemos um pouco o foco e para tentarmos passar mensagens mais fortes acabam por sair propostas que são completamente desproporcionais. Felizmente parou-se a tempo. A Assembleia da República percebeu que o tema estava polarizado, os partidos da esquerda à direita reconheceram em janeiro que havia talvez um desconhecimento e que algumas das medidas podiam ser desproporcionais e mostraram-se disponíveis para encontrar um equilíbrio. Isso também é um sinal de maturidade política e foi a partir daí que o tema começou a ganhar um objetivo. Mas na opinião pública ainda continuam a existir uns que odeiam, outros que amam.
Recentemente, Madrid aprovou um Plano Especial de Hospedagem, que obriga os responsáveis pelos alugueres temporários a construírem acessos diretos das propriedades à rua. Como vê essa medida?
Em Espanha não existe uma lei nacional, é tudo levado a nível regional e mesmo ao nível regional também não existem leis, o que leva as câmaras municipais a limitar questões de alguma pressão, mas acima de tudo regulamentar a atividade em si. Por isso uma quer uma coisa, outra quer outra. O que acontece? Uma instabilidade total, cada vez que muda um partido muda-se tudo. Houve uma altura que Madrid era completamente favorável ao alojamento local, depois eram muito favoráveis mas meteram uma pequena regra que o número mínimo de noites era 5. Isso é matar as viagens de curta duração e dizer que 80% dos turistas estavam fora. Foi um lobby gigantesco da hotelaria para conter o alojamento local. Isso foi parar ao tribunal que não deu razão a esse limite e reverteu essa decisão. Agora inventam que é só com acesso direto. Como é que um quarto ou quinto andar de um apartamento tem um acesso direto? É inventar um requisito que significa praticamente banir. Conclusão, tenho um mercado que num ano é proibido, quatro anos depois passa a ser louvado, quatro anos depois passa a ser meio termo.
Como caracteriza os proprietários de alojamento local em Portugal?
Cerca de 92% dos titulares têm um a três alojamentos locais, o dá para um salário com sorte. Em Lisboa, que é o maior mercado, se calhar vai tirar 500 euros por um T1.
São portugueses?
A maioria sim. Em alguns mercados como o Algarve e Lisboa começa a haver uma oferta estrangeira. São estrangeiros que compraram para ter uma segunda casa e quando não a utilizam arrendam. É um mercado que existe e tem maior peso no Algarve. É o caso de franceses, brasileiros que ficam cá um ou dois meses a gozar a tal reforma dourada.
Quantas unidades existem?
Quase 85 mil registos, correspondem a qualquer coisa como 400 mil camas fixas. É muito importante fazer uma ressalva: a dimensão da oferta do alojamento local não é comparável com a da hotelaria. Não é comparável camas com camas porque nas praias 70% é alojamento local sazonal e não têm turistas o ano inteiro. Não são como um hotel que está sempre aberto e mesmo quando o alojamento local está disponível a ocupação é muito menor porque mesmo tendo 3 quartos, dá seis camas, pois uma das coisas que a nova lei trouxe é limitar essa oferta. Uma das críticas que era feita ao alojamento local é que enchiam uma casa, nunca aconteceu isso. Até pode ter acontecido, por exemplo, no Algarve mas por jovens portugueses. Ninguém vem de fora e vai para casa de alguém e diz: “Surprise”, ninguém é louco de fazer isso. Isso acontece mais é com os nacionais.
Também foi um setor importante na criação de postos de trabalho…
Houve uma mudança na lógica de conceção do trabalho. Há quem diga que o turismo explora os trabalhadores, mas o alojamento local não tem estrutura de emprego como têm os projetos com uma dimensão maior, como um hotel ou um restaurante. Noventa e tal por cento dos operadores têm até 1 a 3 unidades, o que significa que precisam até seis horas de uma empregada de limpeza. Mas quem tem apenas uma unidade precisa de duas ou três horas por semana. Ninguém consegue contratar um funcionário a tempo inteiro, não é viável. O que o alojamento local trouxe foi muito autoemprego e o desenvolvimento de outras atividades complementares e que não tem nada a ver com trabalho precário. Até pelo contrário, no caso de trabalhos como a limpeza há um problema grande no alojamento local que é o da inflação de preços. Somos acusados em Lisboa e no Porto de ter inflacionado o custo hora das senhoras de limpeza porque se só precisamos de duas ou três horas por semana, mas sem ela não consigo ter o meu cliente nessa semana e entre pagar 5 ou 6 euros e não conseguir arranjar uma ou pagar 7 euros se calhar prefiro pagar mais e tê-la. E mais, trouxe um rendimento à população local e isso acontece muito em Lisboa. As senhoras que eram reformadas, que tinham um emprego part-time, muitas usaram o alojamento local para ter um rendimento a mais. Às vezes até conseguem duplicar o seu rendimento e com uma vantagem: como o valor hora é maior trabalham só algumas horas por semana e são elas que gerem o seu horário. O proprietário está muito mais dependente da senhoras de Lisboa do que elas de mim porque é frequente trabalharem para mais de 10 proprietários. E é frequente mesmo que esteja disponível a pagar mais um euro por hora dizerem-me que sábado não dá porque é o aniversário do neto. Ela só quer ganhar mais uns 300 ou 400 euros a mais por mês e não adianta querer contratá-la.