Veículos totalmente autónomos são aqueles em que o condutor humano nunca é solicitado para controlar o veículo. Estes carros (autocarros ou camiões) combinam sensores e software para controlar, navegar e conduzir o veículo em todas as circunstâncias. Ainda não temos em Portugal veículos destes em operação regular. Mas já temos veículos parcialmente autónomos, com graus diversos de autonomia, desde veículos que estacionam sozinhos a outros que ativam travões quando saímos da faixa de rodagem e mesmo que acionam travões quando um vulto humano se atravessa na sua frente a determinada distância, que pode ser reprogramada.
Esta tecnologia tem evoluído de forma muito rápida e há efetivamente consenso em cinco escalões ou patamares de autonomia, desde a solução em que tudo é controlado pelo condutor humano, com poucos componentes autónomos, até ao nível em que tudo é controlado pela máquina sem qualquer intervenção humana. É provável que uma década seja o suficiente para vermos estes veículos de plena autonomia nas nossas ruas, e isso irá mudar radicalmente o nosso sistema de mobilidade. Apenas a ideia de um veículo sem volante é por si só perturbadora. Dez anos passam muito depressa e, mesmo que numa visão pessimista, sejam 15, ainda é muito rápido. Cabe por isso perguntar: estamos prontos ? Ou, pelo menos, a preparar-nos ?
Google, Uber, Tesla, Nissan, Mercedes, Volkswagen são alguns dos grandes nomes industriais ligados a esta tecnologia. O passo seguinte deste processo tecnológico é se esses veículos vão estar ou não conectados, isto é, se comunicam uns com os outros e com a infraestrutura, e se vão ou não conseguir desenvolver formas de comunicação com os veículos de condução humana, com os quais irão coexistir durante bastantes anos. Quase todos os produtos apostam na inteligência artificial para chegar a este ponto. Mas as cidades têm uma palavra a dizer quanto aos investimentos necessários para alcançar esta conectividade.
Neste momento discutem-se um pouco por todo o mundo cenários de custos e benefícios da adoção destes veículos. O setor mais avançado e onde há menores incertezas é a segurança e a prevenção de acidentes, em que todos os estudos e simulações apontam para uma redução drástica de acidentes, pois a máquina programada é certamente menos impetuosa e imprevisível do que o humano, dominado por emoções e reações muitas vezes pouco racionais. Mas quase nada se sabe ainda sobre o impacte na economia, no ambiente, na saúde pública e, por último mas não menos importante, nas várias formas de vida dos cidadãos.
A maioria dos produtores anunciam veículos autónomos para os anos de 2020–2021. Na verdade, não se trata do veículo de autonomia plena, mas sim de elevados níveis de autonomia. Tipicamente, numa escala de 1 a 5 (sendo 5 o nível de plena autonomia), estamos a falar de níveis 3 e talvez 4 – portanto, ainda longe da autonomia plena. Mas ninguém tenha dúvidas de que a tecnologia avançará e colocará os seus produtos no mercado. A questão é em qual mercado ? Se o veículo autónomo entrar no domínio da propriedade e uso privado individual, o resultado pode ser desastroso para as nossas cidades, pois o tráfego irá aumentar, proporcionando a todos os que hoje têm restrição de condução que o façam. É por isso necessário assegurar que o veículo autónomo tenha como mercado privilegiado o transporte coletivo e as soluções de mobilidade partilhada.
A introdução nos mercados de veículos autónomos depende muito da regulamentação, que tem de estar preparada e antever as barreiras e problemas que vão existir. É necessário um quadro legal que acompanhe a evolução tecnológica. Há questões críticas por resolver no domínio da responsabilidade civil do veículo autónomo e de como as companhias de seguros vão gerir eventuais conflitos entre veículo de condução autónoma versus veículos de condução humana. Os reguladores têm de se preparar antecipadamente para esta mudança, tal como as forças de segurança e as autoridades de transportes. E, não menos importante, o cidadão precisa de perceber o que esta mudança lhe traz.
A Comissão Europeia reconhece esta preocupação e lançou um projeto global de Debate do Cidadão sobre Condução Autónoma (http://themobilitydebate.net/pt-pt/), no qual várias cidades do mundo se associaram com o objetivo de percebe-rem melhor, e antecipadamente, quais os principais problemas da mobilidade com veículos autónomos e qual a adaptação que esta tecnologia vai impor às politicas de mobilidade, quais as medidas necessárias, como vai o ecossistema da mobilidade ser afetado e qual o papel que cada agente económico vai ter de desempenhar neste processo de mudança
Este processo corresponde a uma disrupção de génese tecnológica, mas que tem impactes transversais que vão afetar toda a sociedade, dos produtores de tecnologia até ao utilizador final. É por isso necessário fazermos o que outros países já iniciaram, a preparação para esta mudança, para mais tarde não sermos constrangidos por factos consumados.
Professora e investigadora em transportes
Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georrecursos do Instituto Superior Técnico