Apanha-me se puderes!


Se o comendador Berardo não fosse já sobejamente conhecido, esta, do ponto de vista da fama, teria sido a sua semana de glória.


A “lição” que o comendador deu na Assembleia da República, perante representantes eleitos do povo português, foi digna dos melhores compêndios de chico-espertismo, aliás, uma modalidade em que somos também dos melhores da Europa.

Não há como não exclamar: “Ah, ganda Joe! Tu é que a sabes toda!”

Sobre a audiência na comissão parlamentar de inquérito à recapitalização e gestão da Caixa Geral de Depósitos, já quase tudo foi dito e comentado.

Para freak show, já nos basta o festival da Eurovisão.

Foi pena não se ter assistido a um valente murro na mesa dado por algum deputado, valendo agora apenas condenações a posteriori.

O que penso valer a pena refletir é sobre o sistema onde os Berardos desta vida circulam, ganham notoriedade, fazem fortuna e saem impunes quando tropeçam em dívidas de milhões.

Trata-se dum sistema onde o político e o económico se sentam, há muito tempo, à mesma mesa e dormem na mesma cama.

A promiscuidade é notória e percebe-se bem o frequente constrangimento de muitos deputados, uma vez que, quando se trata de defender os próprios interesses, mesmo que eticamente reprováveis, são os primeiros a alinhar.

Veja-se, por exemplo, o caso da incompatibilidade com o exercício da atividade de advocacia em sociedades com litígio com entidades públicas, ou as restrições no acesso às declarações de rendimentos dos titulares de cargos públicos.

A dança entre as funções governativas e a atividade privada, muitas vezes nas áreas em que se exerceu tutela, é frequente.

Ao mesmo tempo, a justiça, cada vez com menos meios, perde-se nos meandros de processos complexos, geridos por advogados bem pagos, mestres na arte dos recursos.

A propósito de advogados, e até como mais um exemplo de promiscuidade, o conselheiro jurídico que acompanhou Joe Berardo na audição na comissão parlamentar e que, aliás, conduziu todas as respostas do comendador, foi administrador do BCP e membro da comissão de avaliação de riscos daquele banco.

O Millennium BCP é, juntamente com o Novo Banco e a Caixa Geral de Depósitos, um dos credores da dívida de 980 milhões que Berardo acumulou.

“Eu, pessoalmente, não tenho dívidas”, garantiu descaradamente o comendador Berardo.

Os Presidentes Ramalho Eanes e Jorge Sampaio – ambos exemplos de ética e seriedade – condecoraram Joe Berardo em 1985 e 1994, respetivamente.

É óbvio que não podiam adivinhar o futuro mas, mesmo assim, devem ter sentido uma enorme indignação.

 

Jornalista


Apanha-me se puderes!


Se o comendador Berardo não fosse já sobejamente conhecido, esta, do ponto de vista da fama, teria sido a sua semana de glória.


A “lição” que o comendador deu na Assembleia da República, perante representantes eleitos do povo português, foi digna dos melhores compêndios de chico-espertismo, aliás, uma modalidade em que somos também dos melhores da Europa.

Não há como não exclamar: “Ah, ganda Joe! Tu é que a sabes toda!”

Sobre a audiência na comissão parlamentar de inquérito à recapitalização e gestão da Caixa Geral de Depósitos, já quase tudo foi dito e comentado.

Para freak show, já nos basta o festival da Eurovisão.

Foi pena não se ter assistido a um valente murro na mesa dado por algum deputado, valendo agora apenas condenações a posteriori.

O que penso valer a pena refletir é sobre o sistema onde os Berardos desta vida circulam, ganham notoriedade, fazem fortuna e saem impunes quando tropeçam em dívidas de milhões.

Trata-se dum sistema onde o político e o económico se sentam, há muito tempo, à mesma mesa e dormem na mesma cama.

A promiscuidade é notória e percebe-se bem o frequente constrangimento de muitos deputados, uma vez que, quando se trata de defender os próprios interesses, mesmo que eticamente reprováveis, são os primeiros a alinhar.

Veja-se, por exemplo, o caso da incompatibilidade com o exercício da atividade de advocacia em sociedades com litígio com entidades públicas, ou as restrições no acesso às declarações de rendimentos dos titulares de cargos públicos.

A dança entre as funções governativas e a atividade privada, muitas vezes nas áreas em que se exerceu tutela, é frequente.

Ao mesmo tempo, a justiça, cada vez com menos meios, perde-se nos meandros de processos complexos, geridos por advogados bem pagos, mestres na arte dos recursos.

A propósito de advogados, e até como mais um exemplo de promiscuidade, o conselheiro jurídico que acompanhou Joe Berardo na audição na comissão parlamentar e que, aliás, conduziu todas as respostas do comendador, foi administrador do BCP e membro da comissão de avaliação de riscos daquele banco.

O Millennium BCP é, juntamente com o Novo Banco e a Caixa Geral de Depósitos, um dos credores da dívida de 980 milhões que Berardo acumulou.

“Eu, pessoalmente, não tenho dívidas”, garantiu descaradamente o comendador Berardo.

Os Presidentes Ramalho Eanes e Jorge Sampaio – ambos exemplos de ética e seriedade – condecoraram Joe Berardo em 1985 e 1994, respetivamente.

É óbvio que não podiam adivinhar o futuro mas, mesmo assim, devem ter sentido uma enorme indignação.

 

Jornalista