Paddy Cosgrave critica sistema tributário irlandês mas tem fundo em paraíso fiscal

Paddy Cosgrave critica sistema tributário irlandês mas tem fundo em paraíso fiscal


Esta guerra não é bem-vista por todos. Há quem acuse Cosgrave de hipocrisia e de oportunismo por estar envolvido com um fundo norte-americano sem qualquer regulamentação fiscal.  


O fundador da Web Summit continua a declarar guerra ao sistema fiscal irlandês, mas é acusado de ter um fundo de investimento sediado em Delaware.  Esta não é a primeira vez que Paddy Cosgrave critica a estratégia irlandesa de atribuir condições fiscais mais favoráveis às grandes empresas. Aliás, a Irlanda é conhecida por servir de sede europeia para algumas das maiores empresas tecnológicas norte-americanas, como é o caso do Google, do Facebook e da Apple e para isso acena com taxas mais baixas sobre os lucros destas companhias.

Na semana passada, estas acusações subiram de tom, depois de o empreendedor ter publicado um post no Twitter a garantir que podia mostrar como é que era possível reduzir legalmente os impostos no seu país. “Como eu, muitas pessoas ricas da Irlanda podem reduzir os impostos sobre a riqueza para valores perto de zero”, escreveu na rede social. 

Está assim lançada, segundo a Bloomberg, o segundo capítulo da sua guerra ao sistema tributário irlandês. Uma iniciativa que, de acordo com a agência de notícias, não é bem vista por todos. Se, por um lado, alguns aplaudem estas críticas por considerar que Paddy está a revelar informação sobre alguns fundos opacos que operam em Dublin, por outro lado, mesmo aqueles que partilham as suas preocupações não se sentem à vontade com as suas táticas. 

Um desses casos foi a página que criou no Facebook e que acabou por ser encerrada. Nessa página, o co-fundador da Web Summit tentava chamar a atenção para evasão fiscal na Irlanda, mas a empresa de Mark Zuckerberg entendeu que estava a violar as regras. A página revelava que as empresas poderiam reduzir os seus impostos para apenas 1%, “mudando-se para a Irlanda e fugindo dos países com impostos altos da UE”.

Na mesma altura, Paddy publicou um artigo de opinião no The Irish Times, em que sugeria uma “transição” para outro modelo que não pusesse em causa a perceção internacional do país. “O poder e influência da Irlanda sobre o mundo é real. Mas não é por causa do nosso tamanho, é por causa da nossa marca”, que no seu entender é cada vez “mais negativa”, acrescentando que “isso devia chamar a atenção de qualquer pessoa preocupada com a estabilidade do mercado laboral e com as perspetivas económicas para os irlandeses ao longo da próxima década”. 

O que é certo é que este regime fiscal tem sido posto em causa nos últimos meses. Em 2018, a Comissão Europeia obrigou o Estado irlandês a recuperar 13,1 mil milhões de euros em impostos que não tinham sido cobrados à Apple, acrescido de 1,2 mil milhões de euros em juros. O Governo irlandês numa primeira reação rejeitou, mas a tecnológica acabou por transferir esse montante para o Tesouro irlandês.

Oportunismo, dizem alguns Apesar deste combate ao sistema fiscal irlandês há muitos que acusam Cosgrave de hipocrisia e oportunismo no que diz respeito ao seu discurso sobre os baixos impostos na Irlanda. Isto porque o fundador da Web Summit está envolvido num fundo norte-americano sem quaisquer regulamentações fiscais. 

Numa entrevista concedida ao Financial Times no final de 2018, Cosgrave explicou que o fundo de investimento Amaranthine, criado pela organização da Web Summit, tinha como objetivo dar apoio a pequenas empresas, através de um orçamento de cerca de 44 milhões de euros. “Nós ajudamos algumas empresas de uma forma forte durante três dias. Mas, o que acontece nos outros 362 dias?”, questionou o fundador do evento tecnológico, justificando assim a sua decisão de criar este fundo.

Ora, a Amaranthine tem as suas instalações na Califórnia, mas a sua sede fiscal fica em Delaware, estado norte-americano conhecido por ser um paraíso fiscal. 

Ao jornal Irish Times, Paddy Cosgrave justificou a decisão de registar o fundo de investimento em Delaware com o facto de se tratar de um “procedimento habitual na criação de fundos de capital de risco” nos Estados Unidos.

Questionado pelos jornalistas se o seu discurso em relação ao sistema fiscal irlandês e aos baixos impostos praticados naquele país não poderia ser visto como um discurso dissimulado, face às decisões fiscais assumidas nos EUA, Paddy Cosgrave admitiu que alguns poderiam vê-lo como um hipócrita. Pressionado para explicar o porquê de defender algo e praticar o seu contrário, o fundador da Web Summit disse apenas que “não é nenhum santo”.

Cosgrave fundou a Web Summit em 2009 na Irlanda e saiu, em conflito com as autoridades do país, para Lisboa em 2016. No ano passado, fechou um contrato para a realização deste evento até 2028, em troca de uma verba anual de 11 milhões de euros.