Elsa Silva é representante da Fazenda Pública há oito anos e já pelo menos há três que se levantavam suspeitas sobre o seu trabalho e as ligações a escritórios de advogados. Ontem, a Polícia Judiciária desencadeou a megaoperação, tendo detido logo ao início da manhã esta advogada do Estado. Elsa Silva acabou por já nem ser levada ao seu local de trabalho, onde decorriam as buscas: o 3.o piso da Direção de Finanças de Lisboa. Outro dos detidos foi António Taveira, advogado na sociedade Taveira&Associados, que seria um dos favorecidos com as informações sigilosas a que Elsa Silva tinha acesso para beneficiar os seus clientes em ações entre estes e o fisco. Em troca, acredita a investigação, eram pagos subornos em dinheiro.
Segundo informou a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL), esta investigação está a ser dirigida pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa. No total, informou o Ministério Público, foram feitas diversas “buscas domiciliárias e cinco não domiciliárias, sendo uma delas ao posto de trabalho de uma funcionária da Direção de Finanças de Lisboa e uma outra ao escritório de um advogado”. As diligências aconteceram em Lisboa, Mafra, Vendas Novas, Montijo, Coruche e Alcochete.
Fonte próxima da investigação explicou ao i que, em processos de contencioso administrativo fiscal, esta representante da Fazenda passava dados à defesa das empresas – que, por exemplo, impugnavam liquidações adicionais de impostos – para que fosse possível desconstruir a argumentação da Autoridade Tributária – ou seja, atuando contra o Estado, que representa, e passando informação secreta.
Para já, não se sabe ao certo em quanto o Estado terá sido lesado, mas a investigação não fecha a porta a que em causa estejam milhões de euros.
A informação disponibilizada ontem pela PGDL referia que em causa estão suspeitas de que a “funcionária da Autoridade Tributária acedia a bases de dados das Finanças para consultar o historial de contribuintes”. E acrescentava: “A informação privilegiada assim obtida seria transmitida, a troco de quantias monetárias, a um advogado fiscalista que, por sua vez, a utilizaria, contra a própria administração tributária, na defesa dos interesses de clientes”.
Para os investigadores do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa há assim suspeitas de “factos suscetíveis de integrarem a prática de crimes de corrupção passiva e ativa, violação de segredo e acesso ilegítimo qualificado”.
Caso há muito era conhecido dentro das finanças
Ao i, fontes conhecedoras deste processo explicam que, apesar de esta operação só ontem ter sido desencadeada, há muito que surgiram as primeiras denúncias. Há cerca de três anos, a Autoridade Tributária começou a receber queixas que relacionavam Elsa Silva com o advogado António Taveira. As denúncias davam ainda conta do envolvimento de outros funcionários do fisco e de outras sociedades de advogados. E foi a própria Autoridade Tributária a dar seguimento a essas denúncias e a enviá–las para o Ministério Público.
Esta é, aliás, uma linha que será agora seguida pela investigação, ou seja, a de tentar identificar a dimensão do esquema montado e se no mesmo participavam e de alguma forma contribuíam outros elementos das Finanças. O i sabe que, além de António Taveira, os investigadores vão passar a pente fino casos que envolviam outros causídicos para perceber se é plausível que os mesmos tenham igualmente tido acesso a informação privilegiada.
O percurso da mulher suspeita de enganar as Finanças
Elsa Silva licenciou-se no ano de 1997 em Direito pela Universidade Internacional de Direito e, segundo a sua página de LinkedIn, fez em 2010 uma pós–graduação em Administração Pública e Direito Administrativo na Universidade Lusófona de Lisboa. Dois anos depois iniciou um mestrado em Gestão Pública no Instituto Superior de Gestão.
Ainda antes da licenciatura, segundo aquela rede social, a agora representante da Fazenda já trabalhava para o Estado: entre 1976 e 1986 fora técnica de informática no Ministério da Saúde. A entrada para as Finanças terá acontecido já em 2004, quando entrou para o Gabinete Jurídico da Inspeção Tributária – Direção de Finanças de Lisboa, onde esteve até 2007. Segundo descreve no LinkedIn, o seu trabalho passava por “esclarecimentos e Apoio aos Inspetores Tributários”.
Em 2010 passou, no entanto, a assessorar uma juíza no Tribunal Tributário de Lisboa – funções que exerceu durante quase quatro anos. Segundo as suas palavras, durante esse período fez a “pesquisa de jurisprudência e projetos de sentença”.
Elsa Silva chega a representante da Fazenda Pública em julho de 2010. Segundo descreve na rede social, desde que entrou, o seu trabalho passa por ser uma “‘advogada do Estado’ nas ações que os contribuintes intentam contra a Autoridade Tributária”. O problema é que a investigação acredita que nos últimos anos funcionou, de forma ilícita, mais como advogada dos contribuintes do que propriamente do Estado. É exatamente por isso que a operação foi batizada como “Duo Facie” – em português, face dupla.
O escritório que manda quem o procura tomar um café
Ontem, quem tentava entrar no site do escritório de advogados Taveira&Associados recebia uma mensagem insólita: “Algumas melhorias estão sendo implementadas. Tome um café e volte em alguns instantes… Obrigado”. Mas, mesmo depois de muito tempo, a página permanecia inalterada.
Em janeiro deste ano, porém, este escritório apresentava-se como tendo advogados com “um elevado padrão ético”. “Desenvolve a sua atividade principalmente nas áreas do direito da insolvência, comercial e empresarial, fiscal, administrativo, segurança social e do trabalho, estando cada vez mais em contacto com o mercado de investimento, nacional e internacional”, referia ainda o site da Taveira&Associados.
António Taveira é sócio fundador desta sociedade e advogado desde 1997. Licenciou-se em Direito na Universidade Autónoma de Lisboa (1990-1995), fez uma pós-graduação em Assessoria Jurídica de Empresas no Instituto Superior de Gestão (1996-1997) e uma pós-graduação em Fiscalidade na Católica (2012-2013).