O urso-pardo pode já não estar em território português, mas o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) continua a monitorizar o animal que foi avistado na zona do Parque Natural de Montesinho, no concelho de Bragança. E a verdade é que essa não é a parte mais importante: a probabilidade de, nos últimos anos, vários ursos terem estado em território nacional é considerável.
Armando Loureiro, diretor dos serviços desconcentrados do ICNF, explica ao i que a presença do animal em Portugal foi confirmada “com absoluta certeza e rigor”. O urso esteve sempre muito perto da fronteira com Espanha – nunca esteve a mais de um quilómetro do território de ‘nuestros hermanos’. O responsável fez questão de sublinhar que o facto de o animal ter colocado, literalmente, a pata em Portugal não é o mais importante.
“É uma novidade termos um urso pardo em território nacional, mas se estivéssemos a falar há um ano ou há seis meses, eu poderia dizer-lhe que estava um urso a cinco quilómetros da fronteira. E isso não é nada – estes animais fazem 25 quilómetros numa noite. Quase de certeza que já aconteceu termos um urso em território português e não termos dado por isso. Apesar de o país ser muito humanizado e não ser muito grande, os nossos territórios têm dimensões suficientes para um animal ter estado cá e não nos termos apercebido disso. Em termos biológicos, um episódio como este é irrelevante: é mais importante termos três animais junto à fronteira do que apenas um em território nacional”, explica ao i o diretor do ICNF.
Armando Loureiro confirma que este tipo de episódios tem aumentado e que existem condições para um grupo de ursos se fixar naquela zona de Portugal. No entanto, isso só deverá acontecer daqui a muito tempo. “Eu diria que é expectável que, nos próximos 10 anos, o número de episódios comece a aumentar no tempo e se tornem mais abrangente no espaço, até que um dia, que não se consegue prever quando, possa haver a possibilidade de, em época de reprodução, existirem quatro indivíduos em território nacional e ocorra a gestação de fêmeas”, ou a seja, a primeira reprodução de ursos-pardos em Portugal.
E este regresso a terras portuguesas pode demorar ainda mais tempo devido aos hábitos desta espécie. É que as fêmeas são filopáticas – reproduzem-se próximo ou no sítio onde nasceram. Por isso, não têm tanto o hábito de dispersar como os machos. Significa isto que a expansão desta comunidade para Portugal não será tão rápida quanto poderia ser e que existe uma forte probabilidade de o urso que veio ‘fazer uma visita’ ao nosso território ser um macho. Especialistas do ICNF recolheram alguns dados da presença deste animal -– fotografias das suas pegadas e restos de pelo deixados pelo caminho – e contam ter uma resposta para a questão do sexo deste animal em breve.
Além disso, os ursos vivem em comunidade, mas gostam de dispersar um pouco e ‘dar uns passeios’ mais longos sozinhos – o que parece ter acontecido neste caso. Isso acontece principalmente quando as comunidades começam a ser cada vez maiores e os indivíduos precisam do seu espaço. Mas, passado um tempo, estes animais acabam sempre por regressar para junto dos seus companheiros.
Pegada de urso? Em fevereiro, Carlos Aguiar, professor da Escola Superior Agrária de Bragança, publicou no Facebook uma fotografia do que aparentava ser a pegada de um urso. Na altura, muitos ficaram entusiasmados com a notícia, mas houve outros tantos que se mostraram ceticismo. Agora, com esta descoberta, muitos começaram a ponderar se Moutinho da Silva não tinha, de facto, testemunhado a passagem de um urso por aquela zona. No entanto, o ICNF não estabelece uma ligação entre os dois casos: “O ICNF não confirmou da outra vez que, de facto, aquela fosse uma pegada de urso. Podia ser e nós não conseguirmos confirmar materialmente que fosse”, admite Armando Loureiro.
Portugal preparado para o regresso Os ursos-pardos foram dados como extintos em Portugal no século XVII, mas o último registo de ursos no nosso país é de 1843. No dia 2 de dezembro desse ano, dezenas de pessoas juntaram-se na serra da Mourela, no Gerês, num bosque perto do rio Mau. Ali encontraram um urso corpulento, que mataram e transportaram até à vila de Montalegre. A morte do animal foi divulgada na edição de 21 de dezembro da Revista Universal Lisbonense. Hoje, os especialistas acreditam que este urso terá vindo da zona da Galiza e foi encontrado por acaso em Portugal.
Além da caça, os primeiros sinais de pressão nas florestas portuguesas, com vários incêndios em diferentes zonas do país, terão tido um papel importante na extinção de ursos-pardos em Portugal.
Agora, venham um, dois ou mais ursos, o diretor do ICNF diz que Portugal está preparado para voltar a receber esta população. “Do lado de cá temos um parque com bons habitats naturais, com recursos alimentares, temos bosques, vegetação autóctone (frutos silvestres, bolotas, castanhas e cogumelos) e presas selvagens”, explicou.
Questionado sobre se o avistamento do urso e a sua divulgação na comunicação social tiveram impacto no turismo na zona, Armando Loureiro diz que ainda é cedo perceber isso: “Ainda é cedo para avaliar. O turismo nos Picos da Europa e na cordilheira Cantábrica e nos parques naturais dessa zona está associado aos grandes mamíferos, como o urso. Todos os grandes mamíferos e grandes aves atraem público. Aqui, em Montesinho, não faz sentido – a probabilidade de encontrar um animal é baixíssima”.