Uma campanha pela Europa


Foi dentro da União, não fora dela, que Portugal se afirmou como nação democrática e que os portugueses ganharam, finalmente, o direito a viver com a ambição de prosperidade.


Estamos a pouco mais de duas semanas das eleições europeias. Não é mais uma vulgar ida às urnas. Esta será, muito provavelmente, a mais decisiva contagem de votos na história da integração europeia. Importa, por isso, que os portugueses compreendam a urgência de exercer o seu dever cívico. Pode gostar-se mais ou menos de Bruxelas. Mas uma coisa é inegável: foi dentro da União, não fora dela, que Portugal se afirmou como nação democrática e que os portugueses ganharam, finalmente, o direito a viver com a ambição de prosperidade.

Incompreensivelmente, tudo isso parece estar hoje em causa. Muito por culpa, acredito eu, dos discursos irresponsáveis dos Governos nacionais. Não é incomum encontrar políticos prontos a nacionalizar os ganhos europeus ao mesmo tempo que europeízam os insucessos nacionais. A dinâmica da política doméstica reduz-se a uma formulação binária: tudo o que é bom é virtude do Governo; tudo o que é mau é culpa da Europa. Não são apenas os populistas a tentar infantilizar deliberadamente o eleitorado.

Tenho recordado Platão nos últimos tempos. Na Alegoria da Caverna, um dos episódios mais conhecidos da sua República, o filósofo grego lembra que é papel dos homens sábios, é função da educação resgatar quem está acorrentado na caverna e contempla as sombras como se elas fossem a única realidade possível. Tristemente, vivemos um tempo em que há cada vez menos vontade de educar. O esforço é colocado na dissimulação. Em manter os cidadãos presos na escuridão. Agrilhoados à mentira. Fechados na caverna.

Uma União assim, erguida na sombra, no egoísmo e na ignorância, não é apenas uma desonra ao nosso passado iluminista.

É uma traição ao futuro de milhões de europeus a quem temos a obrigação de deixar uma Europa melhor do que aquela que herdámos dos nossos pais.

Por não ter sabido contar a sua história, por se ter deixado condicionar pelos sentimentos políticos mais básicos, a nossa Europa corre hoje sérios riscos. A mais ambiciosa construção que o homem democrático foi capaz de pôr de pé merece a nossa defesa intransigente. É sobre isso que os nossos candidatos ao Parlamento Europeu deveriam falar.

Eu gostava que os nossos candidatos do arco democrático mostrassem aos portugueses que a Europa não é só um mercado. É uma comunidade de vida e de destino onde celebramos os direitos humanos, a liberdade e a diversidade.

Eu gostava que eles convencessem o povo que a Europa não é uma construção abstrata e ilegítima. É o nome que damos ao conjunto de mais de 500 milhões de cidadãos e das suas nações que, de livre vontade, decidiram construir a comunidade política do futuro.

É seu dever político e moral dizer aos portugueses que a Europa não é arbitrariedade nem despotismo. É lei. É direitos e humanismo na defesa dos cidadãos e das nações. E não, a Europa também não é nem conflito, nem acrimónia, nem extremismo. É a paz, é a reconciliação dos povos e é a queda dos muros.

A Europa tem de ser capaz de contar a sua história. Ninguém tem maior obrigação de o fazer do que aqueles que serão os nossos representantes no parlamento onde as nações dos povos deste Velho Continente se reúnem.

Em Cascais acreditamos que os cidadãos não podem ser meros espetadores do processo político. Têm de ser atores.

As autocracias realizam-se na apatia e no conformismo.

As democracias são exigentes no seu apelo à ação.

A reinvenção democrática, a redemocratização da democracia é uma tarefa que temos entre mãos.

Esta semana foi inaugurada no nosso concelho a sede regional da European Public Law Organization (EPLO), uma instituição dedicada à investigação e ensino que tem o estatuto de observador da Assembleia-Geral das Nações Unidas e que, depois de ter sido fundada por alguns dos mais prestigiados juristas e constitucionalistas europeus – três dos quais são atualmente Presidentes da República no espaço europeu –, se tem dedicado a construir o grande edifício dos direitos da UE.

Com a EPLO, a partir de Cascais, daremos aos cidadãos de todas as nações que formam a nossa comunidade um motivo forte para acreditar na nossa União.

É esse o nosso contributo local para uma realidade democrática global.

À nossa escala de pouco mais de 210 mil habitantes, trabalhamos diariamente para provar que não há melhores alternativas à democracia. E sim, também trabalhamos convictamente no sentido de mostrar aos cidadãos que a Europa é a melhor ideia política que tivemos na nossa história. É que, em certa medida, encarnamos o espírito da Europa.

Temos apenas 90 quilómetros quadrados de território. Mas ao longo da nossa história, os visigodos passaram por cá. Os árabes passaram por cá. Os romanos passaram por cá. Até que chegámos nós e construímos uma comunidade que foi, simultaneamente, de reis e de pescadores.

Hoje vivem em Cascais 85% das nacionalidades do mundo e 20% da nossa população é estrangeira.

Quando a Europa estava mergulhada na escuridão da guerra, Cascais serviu de abrigo para que as forças aliadas e milhares de refugiados moldassem o futuro de paz e prosperidade da nossa União. Também foi deste lugar que, há mais de 70 anos, se fez a Europa.

 

Escreve à quarta-feira