Não é necessário conhecer em detalhe o estado das contas públicas de Portugal para se entender a realidade dos tempos difíceis, que já ninguém consegue esconder. Já todos reclamam esperando que as suas formas mais ou menos agressivas de reivindicação produzam os ambicionados resultados, que cada setor da sociedade e da economia portuguesa considera ser legitimamente seus. É neste tipo de raciocínio que assenta uma das grandes falhas da sociedade portuguesa. É fácil perceber que o Estado não tem recursos financeiros – não há dinheiro!!! Se olharmos para o estado calamitoso em que a frota da CP se encontra, para o estado do equipamento militar, da manutenção das escolas e hospitais, do equipamento das forças de segurança e da preservação do património histórico, rapidamente entendemos que o Estado português, para além de irresponsável, é financeiramente incapaz. Os portugueses estão neste barco em conjunto e por isso torna-se pouco aceitável que determinadas classes profissionais usem instrumentos de reivindicação e chantagem sobre a restante sociedade para fazerem valer os seus interesses (habitualmente apelidados de direitos) à custa dos restantes. Em última instância, e em tempos de crise, parece-me pouco sensata a forma simples e corriqueira como em Portugal se convoca e implementa uma greve. Considero que essa forma de luta deveria ter um enquadramento mais sensato, de modo a evitar as várias chantagens que a sociedade portuguesa tem vindo a sofrer, invariavelmente das mesmas classes profissionais, ao longo dos últimos 40 anos.
A verdade é que em casa onde não há pão, todos reclamam e ninguém tem razão.
O tema dos professores, e apenas porque tomou uma nova proporção, vem reforçar a ideia de que ninguém anda a pensar no todo da nação. As classes profissionais não o fazem porque ninguém, antes pelo contrário, as incentivou a assim fazer. E, por isso, enfermeiros reclamam para um lado, médicos para outro; condutores de matérias perigosas descobriram que podem parar o país e, dessa forma, encontraram uma via para serem muito mais importantes que todos os outros; os professores consideram-se os donos da razão e únicas vítimas de um país em evidente crise económica, de valores e, acima de tudo e ainda mais grave, de identidade. Entrámos definitivamente na era do salve-se quem puder, assumida de forma brilhante e altamente competente pelo próprio Governo que, por entender que está a chegar ao fim o tempo em que considera ser possível ganhar eleições, por isso e só por isso ameaça demitir-se perante uma situação igual a tantas outras que na história recente proliferaram pela economia portuguesa. O primeiro-ministro é, efetivamente, o grande e exemplar representante do salve- -se quem puder enquanto forma de estar na vida.
Portugal necessita de se unir à volta de desígnios que permitam aos portugueses trabalhar para um futuro melhor. Necessita de uma estratégia de criação de riqueza e criação de valor. Só desse modo as pretensões que cada área da economia e da sociedade considera para si legitimas serão materializáveis. Os nossos políticos fazem cálculos num jogo que apenas a eles interessa e cujo único propósito se prende com resultados eleitorais e manutenção do poder pelo poder. Não há nessa classe tão importante quem tenha uma estratégia e um caminho para a criação de riqueza.
Estamos mal, sem direção, sem desígnio e sem grandes esperanças. Campo fértil para o salve-se quem puder.
Meritocrata social-democrata
Gestor, professor de Gestão do ISCTE
Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”