Birra de António Costa: o PS anda a brincar com a vida dos professores (e com o regime democrático)


Se António Costa diz ter feito o milagre de unir a esquerda, então, que seja António Costa a resolver o problema que ele próprio criou.


1. A decisão do PSD e do CDS de viabilizarem a proposta originária de BE e do PCP relativamente ao tempo de serviço dos professores suscitou críticas da esquerda socialista à direita. Diz-se que é uma coligação negativa, que é, no fundo, é uma irresponsabilidade, que o PSD ousou entender-se com a extrema-esquerda do BE e do PCP. Se esta matéria não fosse tão trágica para o futuro de Portugal (que o mesmo é dizer, para todos nós), soltaríamos uma gargalhada monumental em homenagem à hipocrisia pornográfica e ao cinismo das nossas elites políticas e jornalísticas ao serviço do PS de Costa. Vamos por parte. Primeiro: nos últimos quatro anos, a comunicação social e os comentadores do regime socialista caduco andaram a inculcar-nos à força a ideia de que António Costa promovera uma verdadeira parlamentarização do regime, contribuindo, desta forma, para o aprofundamento da democracia. Ora, se a geringonça foi boa para levar o PS ao poder, se a geringonça foi boa – de acordo com as nossas elites e os comentaristas, sempre muito lestos na defesa de Costa – para ir aguentando o Governo, com cedências, com cativações, com fingimentos de recuperação de rendimentos – passou agora a ser má, a ser financeiramente irresponsável? O PCP e o BE mantiveram-se fiéis ao seu pensamento tradicional e seguiram o mesmo modus operandi que têm adoptado nas negociações com António Costa.

2. Aquilo de que hoje os nossos comentadores se queixam é o apenas o business as usual da geringonça. Qual é então a diferença? É que, desta feita, o PS não logrou (ou não quis) domar a extrema-esquerda: Costa tem cedido, no todo ou em parte, a várias reivindicações do PCP e do BE nos últimos quatro anos, subtilmente ou em segredo. Daí que o estardalhaço mediático que se gerou com a decisão dos sociais-democratas não se tenha verificado em relação a cedências várias de Costa à extrema-esquerda. Por que razão as vozes estridentes que agora se levantaram, ficaram em silêncio cúmplice aquando da constituição do Governo irresponsável de Costa e companhia? É que, em política, a leitura dos factos não pode quedar-se pela superficialidade e o fanatismo militante (pró-Costa) da maioria dos jornalistas e comentadores: há que ser coerente e consequente. Ora, se uma medida é aprovada na “casa da democracia”, à margem ou apesar do PS, esta é logo apelidada de irresponsável e causadora de tragédia nacional – porém, se a mesmíssima medida fosse aprovada com o voto favorável do PS, os nossos jornalistas aplaudiriam entusiasticamente. Já não seria indício de irresponsabilidade financeira; seria, inversamente, confirmação de responsabilidade (e sensibilidade) político-democrática. Nós vivemos – nunca é demais recordar – numa autocracia costista: tudo pelo Costa, nada contra o Costa. O padrão de comportamento de Costa é notório.

3. Atentemos na reacção do líder socialista na sequência da calamidade dos incêndios de Pedrógão Grande: primeiro, organizou um “focus group”; segundo, fugiu para Palma de Maiorca; terceiro, berrou contra a Altice, no Parlamento, acusando a operadora de ser a verdadeira responsável pelos acontecimentos trágicos. E andou a vociferar contra a Altice nos meses subsequentes, imputando-lhe um comportamento de irresponsabilidade (lá está!) e ameaçando (lá está, outra vez!) de nunca mais recorrer aos serviços dessa operadora, instigando os portugueses a adoptar semelhante decisão. Ou seja: sempre que é acossado, sempre que alguém não acata os imperativos da sua vontade, sempre que é entalado – António Costa começa a berrar contra quem ousa desafiá-lo, ameaça, chantageia, persegue, ataca, tenta virar o jogo a seu favor. Dito isto, o PSD cometeu um erro ao viabilizar a reposição integral da remuneração dos professores? Distingamos o plano táctico do plano estratégico.

4. No plano táctico, o PSD obrigou António Costa a olhar-se ao espelho – e Costa não gostou de se ver a si próprio. Expliquemos: em 2015, o PS optou por se juntar à extrema-esquerda, rejubilando-se por definir um novo arco de governabilidade, por quebrar muros, criando uma frente progressita contra a direita. Sem a extrema-esquerda, o PS não seria governo; lembram-se da frase “é geringonça, mas funciona”, tão repetida pelos socialistas? Então se funciona, se António Costa diz ter feito o milagre de unir a esquerda, então, que seja António Costa a resolver o problema que ele próprio criou. No ano passado, a frente unida de esquerda – graças à habilidade do primeiro-ministro – aprovou uma Resolução na Assembleia da República em que se previa a intenção de repor integralmente os rendimentos dos professores. Aparentemente, era uma Resolução a brincar, apenas para enganar os professores. Então, o Estado não deve actuar observando o princípio da boa fé? Há uma máxima do Direito que diz que “máximo proveito, máxima responsabilidade”: ora, se Costa tem o proveito de ser primeiro-ministro às custas da esquerda radical, é Costa quem tem a responsabilidade de dialogar com a extrema-esquerda para resolver o problema que criaram. A táctica do PPD/PSD é, pois, compreensível; faltou comunicá-la devidamente.

5. Em termos estratégicos, Rui Rio não pode ceder: há que manter a posição (que foi sempre a do PPD/PSD) de reposição integral condicionada à evolução da economia. Não negamos o direito dos professores – aliás, gerado, em grande medida, pelas expectativas criadas por este Governo PS/PCP/BE, desde que gradualista na sua efectivação. É tempo de Rui Rio e o PPD/PSD perderem o temor reverencial face a António Costa. Das duas, uma: i) ou António Costa obriga os deputados do PS a aprovar a proposta do PSD, incluindo a cláusula de salvaguarda, seguindo Rui Rio; ii) ou o PSD manterá a viabilização da proposta de dois dos partidos que governam Portugal, numa lógica de respeito pelo princípio da responsabilidade política institucional – o PPD/PSD não será uma força de bloqueio aos dois pilares essenciais da geringonça, que são o PCP e o BE. O sistema não viu nenhum problema em tal fórmula governativa em 2015; certamente, não verá agora em 2019. Se a gerigonça – logo, o Governo – não se entende, não tem condições para governar Portugal, só resta uma alternativa: dar a voz ao eleitorado português. Estará António Costa com medo?

 

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