O que mais me preocupa é o egoísmo geracional que medra na sociedade, o relativismo ético que faz germinar a indiferença e igualiza moralmente meios e fins, e a política que se faz numa estrita lógica do dia seguinte, determinada taticamente pelas sondagens, likes e redes sociais do instantâneo.
Neste contexto emerge desmesuradamente a “ditadura” das novas idolatrias: o consumismo, o subjetivismo e o individualismo, ao mesmo tempo que continuamos a conviver com a indigência, exploração, relativização da vida, solidão, violência. Claro que estamos diante de progressos materiais e tecnológicos assinaláveis, mas quantas vezes, ao lado desse progresso, vamos deparando com um acréscimo de aridez espiritual e de atrofiamento ético. Têm-se desenvolvido poderosas tecnologias de comunicação, mas vêm desumanizando-se as relações interpessoais e erodindo o sentido de responsabilidade. Aumentou – apesar do discurso recorrente – o dualismo socialmente maniqueísta de uma sociedade bipolarizada entre vencedores e perdedores, cidades e aldeias, litoral e interior, velhos e novos, ricos e pobres. Censura-se a dependência do Estado, mas está sempre a implorar-se a sua proteção. Dá-se mais importância à expressão tecnoestatística da quantidade do que ao rigor e exemplo da qualidade. Esfuma-se a respeitabilidade da sabedoria e da experiência e acentua-se o culto da esperteza e do arrivismo. Discursa-se pelos pobres, mas protege-se os poderosos. Aprofundam-se os direitos, mas menosprezam-se os deveres.
Apesar deste cenário, vejo a esperança como a virtude para construir o futuro no meio dos obstáculos. A necessidade aguça não direi o engenho, mas exerce uma maior pressão sobre a tomada de medidas estruturais.
Já se perdeu tempo demais nas querelas reais ou fabricadas dos pequenos acontecimentos, logo de seguida descartáveis. É tempo de enfrentar com coragem, espírito público, lucidez, rigor e prestação de contas as questões verdadeiramente geracionais. Refiro-me, entre outras, às seguintes áreas: demografia, proteção social, produtividade, ambiente, política fiscal, dívida, poupança, sistema judicial, educação e formação – que, não raro, são hoje apenas consumidas em formas de neocorporativismo endógeno.
E para isso é necessário que as políticas e práticas conducentes ao bem comum consolidem várias condições:
A primeira é a de perceber que o Estado existe para servir a sociedade, e não o inverso.
A segunda é a de alcançarem um efeito geracional, e não se esgotarem na obsessão do imediato, no transitório, na aparência.
A terceira é a de se exprimirem através da verdade, de serviço, de autenticidade e de sensibilidade. Verdade nas análises e factos, autenticidade na ação, sensibilidade na relação.
A quarta é a da constatação de que os meios não se autoalimentam e os fins não se alcançam sem esforço e sem definição corajosa e socialmente relevante de prioridades.
Bagão Félix
Economista