Gostaria de me enfiar naquele cartoon do Robert Crumb em que vários cidadãos em fila indiana consultam, à vez, uma maquineta IBM think tank para ficarem a saber, ao que suponho, “What the World’s Coming to! Just wait! You’ll see!”. Certamente que já terei perdido o viço do Fritz the Cat e que haverá cada vez mais drones a vasculhar as nossas vidas, cada vez mais carros sem condutor movidos a electricidade, cada vez mais conflitos armados e, provavelmente, cada vez mais políticos medíocres, direi mesmo: autênticos fantoches manipulados à distância como os drones.
Sinceramente, acho tão difícil prever o que se passará daqui a dez dias em Portugal, quanto mais daqui a dez anos! Talvez lá chegue, a 2029, ao ritmo dos versos de abertura do “Canto Secular” de David Mourão-Ferreira, que passo a citar: “Vou possesso dos cantos mais profanos/ (tangos, fandangos, fados orquestrados)/ e tropeço nas pedras mais imundas/ (tangos, fandangos, fados orquestrados,/ sambas e mambos e baiões e rumbas!)./ Vou possesso dos cantos mais profanos/ e tropeço nas pedras angulares,/ ó pedras desta abóbada dos cantos!/ Possesso, eis-me no Canto Secular”. Sem esquecer que, como também dizia o poeta: “(Em classe de turismo lá iremos./ É por fora de nós que o edifício/ de quanto conhecemos vai crescendo)./ De nós não saberemos nem a vida!”. A poesia do David merece ser mais lida.
Também me preocupa o velho mito do “perigo amarelo” (eles já cá estão em Portugal) mas, ainda antes, é mister tratar da saúde aos russos: The Russians Are Coming, the Russians Are Coming, como no divertido filme de Norman Jewison com o Alan Arkin (1966). E aqui – presumindo que, depois de Trump, os americanos vão eleger outro Ubu para Presidente – recorro a Alfred Jarry e ao seu Ubu no Outeiro:
DOM UBU: “Vamos lá, senhores, tomemos as posições para a batalha. Vamos ficar aqui em cima do outeiro e não cair na asneira de descer lá para baixo. Eu fico aqui no meio, como uma cidadela viva, e vós gravitareis à minha volta. Recomendo-vos que deveis pôr nas espingardas tantas balas quantas lá couberem, porque oito balas podem matar oito russos e são oito russos que me saem de cima. Vamos dispor a infantaria no sopé do outeiro para receber os russos e matá-los um bocadinho, com a cavalaria atrás para se lançar na confusão, e a artilharia à volta do moinho de vento aqui presente para disparar sobre aquela corja. E nós ficaremos dentro do moinho de vento a disparar pela janela com a nossa pistola das phynanças, pomos o pau da physica a trancar a porta e se alguém tentar entrar, ai dele, cuidadinho com o gancho da merdra!”
O EXÉRCITO: “As vossas ordens, senhor Ubu, serão executadas.”
DOM UBU: “Bem, está a correr bem, venceremos. Que horas são?”
(Ouve-se cucu! três vezes.)
O GENERAL LASCY: “Onze da manhã.”
DOM UBU: “Então vamos almoçar, que os russos não atacam antes do meio-dia. Dizei aos soldados, senhor general, que façam as necessidades e cantem a canção polaca.”
Não me ocorreria melhor homenagem à memória da famosa Guerra do Solnado, esse Raul que tanta falta nos faz hoje, do que evocar a guerra do grotesco Rei Ubu, histrião malvado que degola os nobres e degola o povo no seu permanente abuso de poder, durante o genial jogo lúbrico de fantoches imaginado por Alfred Jarry em 1888. Já lá vão 131 anos, é verdade. Mas seria estultícia da minha parte não prever mais guerras daqui a dez anos, com mais tecnologias de ponta para matar à distância…
Alfredo Barroso
Comentador
Escreve sem adopção das regras
do acordo ortográfico de 1990