Estava escrito nas estrelas, zanga de comadres


Acertar no Euromilhões é coisa difícil. Acertar que a atual solução governativa não era uma solução sustentável é coisa de meninos, ou como agora é timbre e de género, de meninos e de meninas.


Quem é que, depois de um tempo de austeridade, em que ficou evidente que o dinheiro não chega para tudo, resolveu, desde 2015, reverter o quadro mental para um alimentar sustentado de expetativas nas reversões e reposições de rendimentos? Quem é que permitiu inscrições orçamentais para viabilizar a sua aprovação pelos parceiros da solução governativa com redações que permitiram alimentar a expetativa da contagem integral do tempo congelado pelos professores?

Quem é que de forma errática reverteu algumas privatizações e manteve outras, com reais impactos na vida concreta das pessoas?

Quem é que diabolizou os que invocavam o diabo e alicerçou toda a estratégia, a narrativa e a ação em parceiros preferenciais exclusivamente à esquerda, havendo mesmo quem afirmasse, sem que lhe tremessem as pernas, que o “PS não precisa, nunca mais, da direita para governar”?

Quem é que reeditou, quatro anos depois do chumbo do PEC IV, uma coligação negativa para rejeitar o governo apresentado pelo partido mais votado e vencedor das eleições legislativas de 2015? Não tinham estes mesmos parceiros de solução governativa emparceirado com a direita em 2011 para derrubar o Governo do PS?

A política do vale tudo, em que os fins justificam o recurso a todos os meios, tem destas coisas, é como os interruptores, umas vezes para cima outras para baixo. Até pode parecer, pela mestria, manha e manigância dos protagonistas políticos que também vai para o lado, mas é pura ilusão, no limite sobra sempre para os portugueses.

A falta de critério e de explicação nas opções políticas é o que gera a indignação quando uns beneficiam e outros são excluídos, quando há dinheiro para o sistema bancário e não há para investir como alguém de esquerda ambiciona, na educação, na saúde, na coesão territorial ou na proteção social, com sustentabilidade e sentido de justiça social. Revolta e gera espaço para os populismos que se perdoem milhões de euros a poderosos ou ex-poderosos e não exista nenhum sentido de humanismo perante as falhas com o sistema bancário de quem trabalha ou quer trabalhar.

Em Portugal, há um problema sério com o foco dos modelos de organização das principais funções do Estado que, na saúde, deveria ser o utente, na educação deveria ser o aluno e na generalidade dos serviços públicos deveriam ser os cidadãos. Deveria ser, mas não são.

É um problema tão sério como o da degradação de uma classe política que insiste em condescender com fenómenos e práticas que minam a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas, pelas jogadas políticas improváveis, as associações sem nexo, as propostas sem pingo de sintonia com a realidade do país e com uma sistemática despreocupação com as consequências das opções mais ou menos de circunstância.

O que aconteceu no Parlamento com a contagem do tempo dos professores, a convergência de parte da esquerda que suporta o Governo com a direita que se constituiu em oposição, pode não estar em linha com a retórica dos corredores do poder em Lisboa, mas, em quatro anos de exercício político, nunca deixou de estar bem presente no terreno, em todo o território nacional. BE e PCP diziam e faziam uma coisa em Lisboa, desdiziam-se em demarcações, reivindicações e exigências como se nada tivessem a ver com o Orçamento de Estado. A direita, no essencial, desdizia-se em relação à sua anterior prática governativa. Não há na convergência negativa em relação ao Governo, nada de novo, uns a demarcarem-se da governação que viabilizaram em quatro anos sucessivos, outros a distanciarem-se da sua governação entre 2011-2015 e da atual.

O problema é que esta demarcação pesa no orçamento e na imagem internacional. É fruto da irresponsabilidade gerada pela narrativa do facilitismo, fermentou em excesso no período eleitoral de 2019 e, ao contrário do que é dito, inquina a relação do PS, uma vez mais, com um dos pilares da escola pública, os professores.

Em bom rigor, só a demissão do Governo permite uma saída do imbróglio gerado, podendo responder a três objetivos políticos centrais:

– a tentativa de resgatar a possibilidade do PS obter uma grande vitória nas eleições para o Parlamento Europeu;

– a tentativa de recuperar a esperança da obtenção pelo PS de uma maioria absoluta pelo isolamento dos professores aos olhos dos eleitores e pela irresponsabilidade dos outros partidos parceiros ou alternativos;

– a tentativa de superar uma fase da governação em que, por inabilidade ou por circunstâncias, nada corre verdadeiramente bem, nem mesmo as medidas ou impulsos positivos para as pessoas e para os territórios.

Afinal, tanta habilidade política e não se anteviu um cenário que estava escrito nas estrelas que aconteceria em função da solidez da solução governativa e das tentações eleitorais. Pode até ser deliberado para tentar obter dividendos eleitorais, em mais um exercício de manigância política, mas estão a esquecer-se que começam a existir demasiados irritantes na relação dos portugueses com a política e com os políticos. É para um democrata, um risco sem escrúpulos. Poucochinho.

NOTAS FINAIS

LOGO AGORA. A efervescência política na solução governativa em Portugal, não poderia ter surgido numa pior oportunidade. Logo agora que era exemplo para esquerda nas europeias e inspiração para a escolha de uma solução de governo em Espanha.

AGORA OU LOGO. No fundo a putativa crise política gerada pela aprovação em comissão da reposição de tempo congelado aos professores vem antecipar a realidade política eleitoral do PS em 2019, atacado pela esquerda parceira da solução de Governo apenas vinculada pelo “bife do lombo” das reposições e pela direita. Entre o fogo amigo e o fogo inimigo, à espera que o povo valorize o exercício.

Escreve à segunda-feira