Nós, mulheres, falamos de quase tudo, mas há assuntos que nos são mais queridos do que outros, dependendo também das interlocutoras e dos seus interesses.
É inegável que um dos temas mais corrente e transversal a todas as idades se prende com os homens, não com um homem em particular, o João, o Manel ou o António, mas com os homens na sua generalidade.
Quando várias mulheres se juntam estão criadas as condições para viverem a experiência de se sentirem num consultório a fazer terapia, dissecando as preocupações que saltam do peito, num desabafo contido há demasiado tempo.
Aqui há uns anos saiu um estudo em que se afirmava que as mulheres, em média, diziam 20 mil palavras por dia, enquanto que os homens só pronunciavam umas meras 7 mil. Nos anos seguintes, este estudo foi contrariado por outros posteriores que concluíram que, afinal, a diferença entre o número de palavras ditas pelas mulheres é residualmente superior ao dos homens. Afinal, a diferença não seria tão acentuada.
Será mesmo assim? Falarão as mulheres na mesma proporção que os homens? Depende dos temas, lá está! Certos assuntos não motivam os homens da mesma forma que despertam o interesse das mulheres.
Um dia destes, em mesa redonda, só com mulheres, surgiu uma questão curiosa. Curiosa porque me obrigou a refletir sobre um assunto que não me traz novidade, nem interesse, tendo em conta que já passei por aquela idade em que faz parte de nós projetarmos o nosso futuro, apaixonarmo-nos e perguntarmo-nos se é para sempre. Há uma ansiedade própria dos adolescentes e dos jovens para tentarem descortinar, antecipadamente, como se construirá a sua vida amorosa, bem como todas as outras facetas que compõem o seu futuro (académico, profissional, familiar, social…). Também eu passei por esta inquietação há muitos anos, e uma vez resolvida, não voltei a pensar no assunto, até hoje…
Partilhei com as amigas, que também são mães, a pergunta que me foi feita por um quase jovem: se eu acreditava que havia uma alma gémea para cada um de nós. Pergunta fácil de responder, há muitos anos atrás: “Claro que sim! Só tens de estar atento para perceberes que estás perante a tua alma gémea, quando ela surgir”.
Em vez de dar esta resposta, senti um vazio na minha cabeça, à medida que procurava forma de responder com a sabedoria dos anos que levo de avanço. Tentei recordar com mais afinco a resposta que tinha dado a mim própria quando esta dúvida tinha surgido. Só que aquela resposta, que me sossegou na minha juventude, não me sossegava mais. Estava desatualizada. E obrigou-me a pensar nas almas gémeas e no que leva duas pessoas a ficarem juntas durante muito tempo, ou até uma vida.
Aos vinte anos, procuramos estar rodeados de pessoas que tenham os mesmos interesses e, por isso, torna-se fácil de nos encantarmos com quem partilha os mesmos gostos, aproximando-nos de quem se identifica e tira prazer do mesmo que nós. Vinte ou trinta anos depois, não é bem assim.
Esta conclusão não é exclusivamente minha. Ganhou forma depois de ouvir outras mulheres sobre esta questão e após um debate caloroso e enriquecido com as variadas experiências que cada uma de nós transportou para a discussão.
Não há almas gémeas. Seria um tédio se duas pessoas ficassem juntas sem nada a acrescentar uma à outra, e se a sua relação fosse um espelho delas próprias. Que enfado que seria, todos os dias ver no outro os meus defeitos e já saber como tudo iria decorrer. Nunca chegaria a ter momentos de tensão porque, conhecendo o outro como a mim própria, não ultrapassaria certos limites, porque seriam os mesmos que os meus.
Foi unânime que podem existir duas almas que se vão encaixando com o tempo, com as suas diferenças, com os seus feitios, com as suas vontades, e, desta forma, passarem a ser uma só. Esta unicidade assenta no respeito e na aceitação mútua, sem a prevalência de uma sobre a outra, com um sentimento forte que as entrelace de tal forma que o nó fique bem apertado e resistente às intempéries da vida.
Quando somos jovens tendemos a depositar parte da nossa felicidade e da nossa estabilidade emocional numa outra pessoa e, consequentemente, responsabilizamos o outro pelo fracasso, ou pelo sucesso da relação. Como se a nós, nos coubesse, somente, a parte de ir recebendo.
Há que explicar, a quem pergunta, que ao fim de algum tempo todas as relações são acometidas de sobressaltos, de imprevistos, de momentos que abalam os filamentos do relacionamento, mas não é porque tenham deixado de ser almas gémeas. Porque nunca o foram. Pior do que lidar com o problema é lidar com a desilusão de assumir que se está perante alguém que afinal não corresponde ao ideal que sonhámos. Se partirmos do princípio que não há almas gémeas, nem pessoas perfeitas, garantimos dentro de nós a capacidade de entrega consciente e a consistência necessária para vencer as contrariedades. Tudo dentro dos limites de cada um.
A verdade é que não há uma fórmula para um relacionamento ser resistente à erosão do tempo, mas há uma frase que define bem este querer: “És quando te dás”. Sempre que damos, crescemos interiormente, recusando a força que nos obriga a mirrar, a cada dia que avança.
Escreve quinzenalmente