Combustíveis: manual essencial do logro e da dissimulação


Uma economia robusta, competitiva, não impõe uma fatura fiscal a níveis intoleráveis para os combustíveis, sobretudo num país em que o tecido empresarial de pequenas e médias empresas é frágil, os portugueses têm pouco poder de compra e se deve promover a competitividade, e não fazê-la desaparecer.


A fatura fiscal bate todos os recordes. Em quatro anos, entre ISP e IVA, o Estado arrecadará mais de dois milhões de euros em relação a 2015, um imposto cego, surdo e muitas vezes mudo que se alimenta dos cidadãos incautos, anestesiando-os quando o preço do barril de petróleo baixa, mas desferindo-lhe golpes cruéis quando sobe.

Os portugueses pagam hoje – 2 de maio de 2019 – mais 13 cêntimos de impostos no gasóleo por litro, por comparação a 11 de fevereiro de 2016, dia anterior ao mais espetacular aumento de impostos sobre os combustíveis jamais registado em Portugal.

Este é o retrato fiel da austeridade dissimulada ao serviço de um Governo glutão, insaciável na arrecadação de impostos e que tudo fez e nada opôs para que os portugueses se encontrassem nesta situação, que põe em causa as famílias e a esmagadora maioria das empresas. O tal “milagre” das contas públicas encontra neste domínio muita da sua explicação.

Importa recordar a história e o traiçoeiro exercício de manipulação. No início de 2016, o Governo viu-se a braços com uma quebra do preço dos combustíveis que prejudicava o IVA a arrecadar. Nesse sentido, e bem, optou por cunhar o princípio da neutralidade fiscal. Se o preço ao consumidor subisse quatro cêntimos – fosse pela valorização do preço do barril ou, por exemplo, pela valorização do dólar –, o governo desceria um cêntimo no ISP. Se o preço descesse, o imposto subiria. Desse modo, o imposto arrecadado pelo Estado e pago pelo contribuinte seria igual, independentemente das oscilações do preço final. Ora, nesse momento aumentou os impostos sobre os combustíveis em 6 cêntimos por litro. Veio a fazê-lo, por sinal, em mais duas ocasiões, transferindo a carga fiscal da gasolina para o gasóleo e, por força desse mecanismo, aumentou o peso dos impostos, pois 80% dos abastecimentos são gasóleo – opção que justificou com o omnipresente argumento ambiental. O preço subiu – cumulativamente, mais de 30 cêntimos por litro – e o Governo mentiu. Teve milhares de milhões de razões para assim agir.

O Governo mudou as regras do jogo, viciado na maior carga fiscal de sempre, num campo inclinado e a apitar sempre contra os portugueses.

Os mercados têm os seus efeitos – sim, de acordo –, efeitos exógenos que o país não pode influenciar ou dominar, seja a produção da OPEP, a evolução da economia chinesa ou qualquer outra razão que provoque fortes oscilações no preço, mas o país pode dominar a fatura fiscal, esta mesma que foi utilizada indiscriminadamente e que hoje é responsável por grande parte do que está a suceder.

Estas decisões conduzem a perdas para as famílias, para as empresas, para o país. Ninguém escapa quando os combustíveis sobem, nem rico nem pobre; grande ou pequeno, todos sofrem, sofrendo mais quem é mais frágil. Estas políticas – a política deste Governo em relação aos combustíveis – só ampliam as desigualdades sociais, já que estes impostos indiretos são, por natureza, regressivos.

Uma economia robusta, competitiva, não impõe uma fatura fiscal a níveis intoleráveis para os combustíveis, sobretudo num país em que o tecido empresarial de pequenas e médias empresas é frágil, os portugueses têm pouco poder de compra e se deve promover a competitividade, e não fazê-la desaparecer.

O que é isto senão austeridade pura e dura? Pior, austeridade encapotada, insidiosa na forma, perniciosa nos efeitos, anestesiando os seus destinatários quando os preços estavam baixos, mas revelando agora, da pior forma, toda a sua crueldade quando os preços sobem.

 

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