O Ministério da Saúde respondeu ao pedido de esclarecimentos da Procuradoria-Geral da República (PGR) com o anúncio de que tinha determinado a sindicância à Ordem dos Enfermeiros, revelou ao i fonte da PGR. Em causa está a exposição que Marta Temido enviou à PGR relativamente à Ordem dos Enfermeiros, à qual a PGR respondeu no início de abril com um pedido de esclarecimentos. “Perante o teor da referida exposição foram solicitados esclarecimentos ao ministério sobre qual o concreto alcance visado, por cuja resposta ainda se aguarda”, elucidou na altura a PGR.
Questionado na semana passada sobre se os esclarecimentos foram entretanto prestados, fonte do Ministério Público indicou ontem ao i que o ministério remeteu para a sindicância que está em curso à Ordem. “O Ministério da Saúde respondeu que foi determinada a sindicância à ordem dos enfermeiros com caráter de urgência”, informou a PGR.
Quando veio a público a sindicância, que ontem motivou protestos à porta da Ordem, o Governo indicou que a investigação surgia no exercício dos poderes inspetivos decorrentes da “tutela de legalidade do Governo sobre a Ordem dos Enfermeiros”. A sindicância, indicou na altura o ministério, tem por objetivo indagar “indícios de eventuais ilegalidades” resultantes de três aspetos: as intervenções públicas e declarações de dirigentes da Ordem, as atividades e prioridades de atuação e a gestão no que respeita a contas.
A tensão entre o Governo e a Ordem dos Enfermeiros atingiu o pico no início de fevereiro, quando o Primeiro-Ministro, em entrevista à SIC, revelou que tinha intenções de avançar com uma queixa judicial contra Ana Rita Cavaco. A justificação dada na altura relacionava-se com o facto de Costa considerar que a postura adotada pela bastonária ultrapassava as funções que Ana Rita Cavaco exerce. “As ordens profissionais estão expressamente proibidas de desenvolver qualquer tipo de atividade sindical”, afirmou. “No meu modesto entendimento, a Ordem dos Enfermeiros e, em particular, a senhora bastonária têm violado claramente esta atuação”, acrescentou. Em resposta, a bastonária reagiu nas redes sociais: “Com os poderosos que ganharam milhões, nunca o ouvi com voz tão grossa e tão nervoso, nem relativamente aos milhões que voaram da CGD e de outros bancos, nem à corrupção ou às ilegalidades de figuras do Estado”. O secretário de Estado e Adjunto da Saúde chegou a anunciar a suspensão das relações institucionais com a Ordem, que acabaram por ser restabelecidas em março. Ainda assim, Ana Rita Cavaco já afirmou que ainda não foi recebida pela ministra da Saúde, um litígio que se agravou na última semana com o anúncio da sindicância publicado no “Diário de Notícias”.
Ordem avança com ação judicial O início da sindicância estava marcado para as 10h, mas foi longo o seu atraso: à chegada à Ordem, os inspetores da Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS) foram surpreendidos por dezenas de enfermeiros que ali se concentraram em resposta ao apelo do movimento Greve Cirúrgica para mostrar o descontentamento com a iniciativa. Lá dentro, um outro obstáculo: a Ordem exigiu aos inspetores uma notificação formal do despacho da ministra, dos seus fundamentos e dos elementos de prova antes da realização da sindicância.
“Durante três horas e meia ficámos a aguardar que nos fosse facultado o despacho da senhora ministra juntamente com os fundamentos e com as provas. São publicações do Facebook, notícias de jornais, takes da Lusa. Contudo, o que diz a lei é que tem de haver motivos sérios e suspeitas fundadas de graves ilegalidades na gestão da Ordem dos Enfermeiros [para motivar a sindicância]. Ora, entendemos que declarações públicas não configuram isso e portanto vamos reagir judicialmente a este despacho”, disse ontem ao i Ana Rita Cavaco.
A bastonária dos enfermeiros não quis revelar pormenores da ação judicial contra o ministério, mas voltou a insistir numa ideia que tem vindo a defender. “Isto é o que já suspeitávamos e temos a convicção de que configura uma perseguição e uma vingança à Ordem e aos seus dirigentes. Resta saber se isto que está aqui é de igual teor ao que foi enviado à senhora PGR. Se foi a mesma coisa, é interessante: quer dizer, não constituiu matéria para a PGR mandar abrir um inquérito, mas constitui matéria para a IGAS? É estranho. Tenho a convicção de que é o mesmo teor”, confessa Ana Rita Cavaco ao i.
No primeiro dia de sindicância, os inspetores reuniram, entre outros, “uma série de documentos que dizem respeito ao recursos humanos, à contabilidade organizada, e à contratação pública”, precisa a bastonária. “Não receio nada do que possa ser encontrado aqui, aquilo de que tenho receio é da saúde da democracia. Ouvi as palavras do senhor Presidente da República, que ainda não tinha recebido a nossa comunicação [enviada na semana passada], e quando o senhor PR diz que isto é uma relação entre um organismo autónomo e o Ministério da Saúde, eu não posso estar mais em desacordo. Isto é um atentado à democracia, não se podem ordenar sindicâncias arbitrariamente”.