No dia 11 de abril de 2019, metade da capa do New York Times era dedicada à primeira “imagem” de um buraco negro obtida pelo consórcio Event Horizon Telescope, e, logo de manhã, também aprendíamos com Ricardo Araújo Pereira, na sua crónica radiofónica [1], que um cidadão de Afife não ficou particularmente impressionado com a imagem nem com a conferência de imprensa da União Europeia em Bruxelas.
O resultado científico é excecional, só possível devido a vários avanços tecnológicos e científicos e, principalmente, devido a uma colaboração à escala mundial que tornou o planeta Terra um gigantesco telescópio para observar o buraco negro situado no centro da galáxia Messier 87. Os resultados foram disponibilizados em seis artigos publicados em Astrophysical Journal Letters [2] para toda a gente consultar, leigos ou cientistas – uma excelente ilustração de open science.
São esperados proximamente mais resultados da observação do buraco negro no centro da nossa galáxia. E seria também espetacular poder observar em detalhe os jatos que emanam dos buracos negros, por exemplo na galáxia M87, e que geram filamentos de plasma guiados por campos magnéticos com velocidades próximas da velocidade da luz. É nestas condições extremas que se conjetura que são aceleradas as partículas mais energéticas do universo.
Importa reforçar que não se observou diretamente o buraco negro, mas sim a luz emitida em seu redor pelo plasma que cai no buraco negro, sujeito a fortes acelerações e movendo-se próximo da velocidade da luz. Um buraco negro emitirá apenas radiação de Hawking, que resulta da combinação da mecânica quântica, da relatividade geral e da termodinâmica, e que será de ainda mais difícil deteção. É curioso notar que esta radiação se poderia chamar radiação de Feynman. Numa tarde de 1973, um ano antes de Hawking, Feynman derivou as propriedades fundamentais desta radiação, inspirado pelos resultados de Ein-stein que levaram à descoberta do princípio físico dos lasers, mas não as publicou, entregando assim a fama da sua descoberta a Hawking [3]!
Para quem lê os artigos agora publicados podem existir, no entanto, dois aspetos que merecem uma reflexão adicional: porque é que não há instituições portuguesas representadas e porque é que a colaboração é significativamente mais internacional e diversa do que as notícias iniciais pareciam indicar?
Há duas semanas, numa conferência no Instituto Superior Técnico, o comissário europeu Carlos Moedas lamentava a falta de visibilidade das instituições europeias nesta descoberta, que mais parecia uma descoberta de uma equipa norte-americana do que uma colaboração verdadeiramente internacional em que as equipas europeias tiveram um papel fundamental, como foi demonstrado na conferência de imprensa de Bruxelas [4]. Na altura, o eng.o Carlos Moedas atribuiu esta falta de visibilidade à preferência dos meios de comunicação social pela ciência made in USA e também a alguma falta de amor-próprio e de orgulho dos europeus e dos seus cientistas relativamente às descobertas da ciência feita na Europa. As equipas norte-americanas há muito compreenderam que é tão importante comunicar aos colegas cientistas como capturar a imaginação do público em geral. A capa de um jornal diário tem mais impacto do que a capa da revista científica Nature. É assim que se transmitem os valores da ciência e se promove o seu valor social e económico.
A aparente ausência de instituições portuguesas (como já tinha acontecido com os resultados das ondas gravitacionais) é um pouco mais subtil. Lendo os artigos sobre a imagem do buraco negro vemos citados cientistas a trabalhar em instituições portuguesas como, por exemplo, Carlos Herdeiro, professor do Departamento de Física do Técnico, o que demonstra o contributo de cientistas e instituições portuguesas para os resultados que estão a ser obtidos nesta área. O nosso desafio é agora conseguir que também institucionalmente, como já acontece com as colaborações com o CERN e a ESA, seja possível participar noutras colaborações equivalentes, respondendo a questões que inspiram todo o mundo e que projetam a ciência, os seus princípios e o seu impacto, da capa do New York Times até à crónica matinal de Ricardo Araújo Pereira.
[1] < https://podcasts.apple.com/us/podcast/
r%C3%A1dio-comercial-mix%C3%B3rdia-tem%C3%A1ticas-s%C3%A9rie-alves-fernandes/id504823863?i=1000434664575>
[2] https://iopscience.iop.org/journal/2041-8205/page/Focus_on_EHT
[3] Uma descrição deste episódio pode ser encontrada aqui < http://nautil.us/issue/16/
nothingness/ingenious-alan-lightman >
[4] https://audiovisual.ec.europa.eu/en/video/I-170685