Já há muitas pessoas a queixarem-se de alergias? Sentem mais queixas do que noutros anos ou há sinais de que estejam a tornar-se mais graves?
As doenças alérgicas, de um modo geral, têm vindo a aumentar em todo o mundo. Como tal, temos cada vez mais pessoas a queixar-se. Este aumento não se verifica só nas alergias respiratórias (asma e rinite) – as alergias alimentares também são mais frequentes. Nesta altura do ano (primavera), com o aparecimento dos pólenes, começam as queixas de rinite alérgica (espirros, prurido, corrimento e obstrução nasal), frequentemente acompanhada de conjuntivite (prurido ocular, lacrimejo e olhos vermelhos). Também a asma pode agravar-se. Para além das alterações climáticas, a poluição torna os pólenes mais alergénicos e, portanto, mais agressivos para as pessoas que vivem nos meios urbanos. Por isso, os casos de polinose (alergia a pólenes) têm vindo a aumentar e a tornarem-se mais graves.
Quais são as alergias mais frequentes neste momento?
Na primavera, coincidindo com a polinização das plantas, as alergias mais frequentes resultam da inalação de pólenes presentes na atmosfera e tendem a manifestar-se sob a forma de rinite, conjuntivite ou asma (tosse, pieira e, eventualmente, falta de ar). Em Portugal, a polinização vai de fevereiro a outubro (dependendo dos anos), com um pico de março a junho. Os pólenes responsáveis pelas alergias são os pólenes das gramíneas (ervas), oliveira e parietária. Contudo, pela sua frequência, não podemos esquecer a alergia aos ácaros do pó doméstico, que também tende a aumentar nesta época do ano. Na primavera e no verão também há sempre mais insetos; por isso, as alergias às picadas de himenópteros (abelhas e vespas) são mais frequentes nesta época do ano e, nalguns casos mais graves, podem provocar anafilaxia, que pode ser fatal. Estima-se que, em Portugal, todos os anos ocorrem entre um e cinco casos de morte resultantes da picada de uma abelha ou vespa. Todos os indivíduos com história de reações alérgicas graves à picada de himenópteros devem ser portadores de um autoinjetor de adrenalina.
Já referiu as alterações climáticas. Há alguma alteração no padrão das alergias que já possa ser ligada a mudanças no clima?
As alterações climáticas estão associadas ao aumento da temperatura global. Esta tem contribuído para os invernos menos rigorosos que temos vivido e os inícios mais precoces da primavera que temos registado, que tendem também a ser mais prolongados. O cenário existente é favorável para que as pessoas alérgicas aos pólenes apresentem sintomas mais cedo do que é habitual e durante mais tempo.
Que sintomas devem motivar uma ida ao médico? Por vezes, os sinais de alergia confundem-se com constipação.
Sempre que há suspeita de uma alergia respiratória (asma ou rinite) ou alimentar é importante esclarecer qual a causa específica e deve-se recorrer ao médico, que poderá encaminhar para um imunoalergologista sempre que se justifique. O imunoalergologista pode estudar o agente que provoca a alergia através de testes cutâneos, análises sanguíneas e, quando indicado nalguns casos de alergia alimentar ou a medicamentos, através da reintrodução do agente suspeito sob vigilância médica (provas de provocação). Sempre que uma “constipação” teima em não passar há que suspeitar de uma rinite alérgica e procurar um médico.
Que cuidados podem ajudar a prevenir crises na primavera?
De um modo geral, as recomendações para reduzir o contacto com os alergénios sazonais, nomeadamente os pólenes, são: evitar atividades no exterior de manhã muito cedo, altura em que há uma maior concentração de pólenes; evitar praticar desportos ao ar livre; evitar caminhadas em grandes espaços relvados; evitar cortar relva; evitar arejar a casa durante o dia na primavera; utilizar óculos escuros na rua; andar de carro com os vidros fechados; os motociclistas devem usar capacete integral; guardar a roupa utilizada durante o dia numa zona distinta do quarto de dormir.
O que estará a contribuir para o aumento das alergias alimentares?
Com o aumento global das doenças alérgicas, as alergias alimentares são também cada vez mais frequentes. A modificação dos hábitos alimentares e o crescente consumo de alimentos processados industrialmente têm contribuído para o aparecimento de novas sensibilizações e alergias alimentares. Não podemos deixar de considerar também os fatores genéticos: sabe-se que há uma tendência para a existência de doenças alérgicas na mesma família. Se o pai, a mãe ou o irmão sofrem de alergias, o risco de a criança vir a desenvolver uma doença alérgica situa-se acima dos 50%. A prevalência atual da alergia alimentar é de cerca de 6%; ela pode afetar todos os grupos etários, mas afeta sobretudo crianças. Estima-se que, nos países mais desen-volvidos, a prevalência aproximada de alergia alimentar seja de 6-8% nas crianças e de 2-3% nos adultos.
Há alergias alimentares mais comuns nesta altura do ano?
Considerando que, em geral, as alergias alimentares mais frequentes são ao leite, ovo, frutos de casca rija (noz, amêndoa, avelã), frutos frescos (pêssego, maçã, melão, quivi) e mariscos, nesta altura do ano, as alergias a frutos frescos e a mariscos tendem a aumentar porque aumenta também o seu consumo.
Foi publicado recentemente um estudo internacional que associou a poluição automóvel a 3200 casos de asma por ano nas crianças portuguesas. Viver na cidade é também um fator de risco para alergias?
Um estudo publicado na revista Lancet em abril deste ano apresentou estimativas, para diversas regiões do mundo, do número de novos casos de asma em idade pediátrica atribuíveis ao dióxido de azoto. Este é um poluente que resulta da queima de combustíveis fósseis, designadamente do petróleo e derivados. As estimativas para a Europa ocidental são de que existirão 190 novos casos de asma por ano, por cada 100 mil crianças, resultantes da exposição ao dióxido de azoto, o que daria mais de 3 mil novos casos de asma em Portugal. A poluição atmosférica é um conhecido fator de risco para doenças alérgicas respiratórias, como a asma e a rinite alérgica. De facto, viver em cidades mais poluídas aumenta o risco de alergias. Contudo, este estudo da Lancet chama-nos também a atenção para que a maioria dos novos casos de asma surgem em locais com concentrações médias anuais de dióxido de azoto abaixo das recomendações da Organização Mundial da Saúde. Ou seja, as recomendações deveriam ser revistas, partindo do pressuposto de que o ideal seria existir poluição “zero”.
Parece-lhe que os portugueses já estão suficientemente sensibilizados para a importância do diagnóstico e até para a possibilidade de fazerem vacinas?
Tem vindo a aumentar o conhecimento das doenças alérgicas pela população, para o que têm contribuído a comunicação social e as sociedades científicas, mas não podemos cruzar os braços. Temos de continuar a trabalhar na divulgação e sensibilização para patologias que são cada vez mais frequentes.
O que pode melhorar?
Para controlar as doenças alérgicas é fundamental o diagnóstico precoce. Um dos objetivos da SPAIC é a divulgação junto da população, através das diferentes plataformas de comunicação, para alertar as pessoas para os sintomas das alergias e para a necessidade de recorrerem ao médico. Felizmente temos hoje ao nosso dispor vacinas antialérgicas, com eficácia e segurança comprovadas, que permitem fazer um tratamento específico para os alergénios implicados. Quando indicadas, reduzem de forma muito significativa e duradoura as queixas. No caso da alergia ao veneno de himenópteros, as vacinas são o único tratamento eficaz para os doentes com história de reações graves, conferindo uma proteção em 80-95% dos casos, melhorando também a sua qualidade de vida. Infelizmente, as vacinas antialérgicas que deixaram de ser comparticipadas pelo Serviço Nacional de Saúde em 2011 continuam sem comparticipação e muitos doentes não têm disponibilidade económica para as adquirir.