“Deveria haver uma estratégia mais forte” de promoção da alimentação saudável nas escolas

“Deveria haver uma estratégia mais forte” de promoção da alimentação saudável nas escolas


Um ano depois de ter entrado em vigor o decreto-lei que determina a substituição dos alimentos menos saudáveis nos bares, cafetarias e refeitórios dos hospitais, o balanço é positivo e há quem defenda que a medida seria uma mais-valia nas escolas portuguesas.


O céu está azul, o sol brilha alto e os ponteiros do relógio marcam as 10h40. À entrada do Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, a agitação é pouco visível: a cafetaria que fica fora do edifício hospitalar tem as mesas praticamente vazias. 
Já dentro da cafetaria, na vitrina estão dispostas sandes sem molhos, bolos sem açúcar, refrigerantes com pelo menos 50% de fruta, águas, pastilhas e rebuçados sem açúcar e cerveja sem álcool. A decisão de oferecer opções mais saudáveis foi implementada em fevereiro do ano passado. Há um ano que o hospital deixou de vender fritos, pastéis e chocolates mas, para os utentes, esse tipo de alimentos parece não fazer falta. E o balanço tem sido positivo. Quem o diz é Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas. Ao i, a responsável contou que só tem recebido feedback positivo por parte dos hospitais que tem visitado. Nas visitas tem visto, “não só por parte dos conselhos de administração como por parte dos profissionais de saúde, o grande envolvimento para que o que está previsto no despacho fosse cumprido”, diz, acrescentando que “o feedback que tenho vindo a receber é claramente positivo”.

Contactada pelo i, fonte do hospital confirmou que o balanço é positivo e afirmou que estão empenhados em associar-se “a medidas que possam promover a saúde e práticas de vida saudáveis, ao mesmo tempo que contribuímos para o aumento da literacia alimentar e nutricional da população que frequenta os espaços de oferta alimentar do SNS”.
A mesma fonte adianta ainda que no início da mudança “foi necessário ultrapassar alguma dificuldade de oferta pelos fornecedores que ainda não estariam sensibilizados para conceção de produtos saudáveis”, mas que o problema foi ultrapassado.

Sentada numa mesa da esplanada da cafetaria – que tem um tabuleiro com duas chávenas de café já vazias e um frasco de Compal também já bebido – está Marina Vieira. A professora de 45 anos defende que a mudança das opções alimentares dentro do próprio hospital é uma boa medida, mas que, nas cafetarias fora das unidades hospitalares, as opções deveriam dizer respeito a cada pessoa. “A cultura saudável tem de vir da própria pessoa, não é só pelos hospitais”, afirmou. A reeducação da mentalidade dos portugueses quanto às escolhas a fazer parte muito de “casa e de não vermos tantos anúncios comerciais”. “Tudo isto é uma implementação de costumes”, completou.

Eas crianças são fundamentais nesta equação, diz Marina Vieira, admitindo que grande parte da educação tem de partir dos pais. Ainda assim, o facto de as crianças serem bombardeadas por anúncios de fast food faz com que essa tarefa se torne difícil. A isso soma-se ainda o facto de os outros pais levarem os seus filhos a essas cadeias de lojas, provocando uma certa pressão nos pais que querem adotar hábitos saudáveis: “Quando temos crianças e elas estão num grupo, tentamos reeducá-las, mas pensar que não as levamos a comer fast food nunca é possível porque eles sentem-se fora do grupo”. 

Sem conseguir descolar-se do papel de professora, Marina Vieira realçou ainda que este tipo de medida seria “muito importante” nas escolas portuguesas. E alertou para o problema das crianças intolerantes ao glúten: “Infelizmente, as escolas não conseguem suportar isso, não conseguem corresponder às expetativas”, diz, acrescentando que esse é um dos aspetos que ainda é necessário mudar urgentemente.

Dentro do refeitório está Caroline Pires, tem 36 anos e é relações públicas. No prato tem apenas migalhas e entre dois goles de água conta ao i que concorda com a medida adotada em 2017 pelo Governo. “Acho importante, é um lugar de saúde”, afirma. Questionada se não sente falta dos fritos ou dos snacks, Caroline é clara: “Não sentiria [falta] porque, estando no hospital, também não comeria esse tipo de comida”. Na mesma linha surge Docílio Oliveira, de 67 anos. O reformado é breve nas palavras e ao i afirma que concorda “com esta nova medida”.

Aos olhos do Ministério da Saúde, a medida “é muito positiva”, uma vez que estas mudanças são importantes para promover a alimentação saudável. “A alimentação inadequada é o principal determinante dos anos de vida saudável perdidos pelos portugueses e das doenças de base alimentar”, diz fonte oficial da tutela ao i, acrescentando que “não fazia sentido que nestes locais estivessem disponíveis alimentos que contribuíssem para o agravamento desta situação”.
Alexandra Bento também defende que as medidas implementadas pelo Executivo são vantajosas. “Estamos a falar quer de hospitais quer de centros de saúde, não nos parece que seja coerente que esses mesmos espaços não tenham uma oferta alimentar que seja saudável”, disse. “Entendo que medidas como esta são claramente positivas e, portanto, tudo o que são medidas que fazem a apologia de uma oferta alimentar que seja mais saudável, nós só temos é de aplaudir”, completa.

Medida faria sentido nas escolas? Inquirida pelo i sobre a necessidade de se alargar a oferta saudável aos estabelecimentos de ensino, conforme defendido por Marina Vieira, a bastonária dos nutricionistas explicou que já há muito tempo que as escolas têm “referenciais para a oferta alimentar”, ou seja, os técnicos ajudam as escolas a fazer uma leitura dos alimentos que devem ou não constar nos bares e refeitórios. No entanto, apesar de existirem essas linhas, a bastonária confessa que nem sempre são cumpridas: “Tem vindo a público muitas vezes o não cumprimento daquilo que está explicitado nesses mesmos referenciais para oferta alimentar nas escolas”.

Aos olhos de Alexandra Bento, este documento é apenas o começo de um longo caminho para combater as falhas nas escolas portuguesas. “Acho que deveria haver uma mão mais forte”, diz, acrescentando que a ordem defende que “deveria haver uma estratégia mais forte para a promoção da alimentação saudável nas escolas”, estratégia essa que deveria passar pela inclusão de nutricionistas nos estabelecimentos de ensino. No sentido de promover a alimentação saudável nas escolas, a ordem entregou, em fevereiro do ano passado, uma proposta à secretária de Estado Adjunta da Educação, Alexandra Leitão, mas ainda não foi dado provimento à mesma.

Mas a implementação da alimentação saudável não passa só pelas escolas e pelas unidades de saúde do país, defende. A alteração à oferta alimentar “deveria ser extensiva a tudo o que são espaços físicos dentro daquilo que é a administração pública”, admite. E dá o exemplo: “Não faz sentido, por exemplo, ficar de fora aquilo que é a oferta alimentar nas universidades […], nos espaços relacionados com as autarquias, nos tribunais”. 

Em 2017 entrou em vigor um decreto–lei que determina a limitação de venda de produtos prejudiciais à saúde nos bares, cafetarias e bufetes de hospitais e centros de saúde do SNS. No entanto, a bastonária vai mais além e diz que é preciso aplicar essa medida também aos hospitais universitários. “Temos alguns hospitais que são universitários e, portanto, alojam no seu interior bares de faculdades; contudo, estão no espaço do hospital” o que pode ser confuso para os utentes, diz, completando que os pacientes, quando vão ao hospital, “não têm a perceção se o bar é do hospital ou da universidade”. “É completamente incompreensível e incongruente. Todos têm o direito de ter uma oferta alimentar que seja saudável e apelativa”, conclui.

Contactada pelo i, fonte oficial do Ministério da Educação explicou que a Direção-Geral da Educação “tem vindo a produzir orientações que visam a promoção de refeições saudáveis e adequadas às diferentes necessidades dos alunos”. Entre essas orientações salientam-se 40 propostas de ementas vegetarianas, 15 propostas de ementas mediterrâneas e “orientações mais detalhadas sobre os alimentos autorizados, incluindo géneros alimentícios destinados sobretudo a ementas vegetarianas”. 

“Diariamente, além das ementas ‘comuns’, é disponibilizada uma ementa vegetariana e, caso haja crianças com necessidades de dieta, ainda é, nesses casos, disponibilizada uma ementa especial adequada a cada caso”, completa a mesma fonte.