Há quem diga que é a limpeza do ano e que ninguém limpa a casa tão bem como na Páscoa. Tapetes na janela, flores nas jarras e a azáfama na cozinha – assim é o cenário nesta época em muitos pontos do país. Afinal, além da celebração religiosa, a Páscoa significa também juntar a família que está longe durante o ano inteiro e há sempre a certeza de que vai reencontrar-se o primo mais afastado naquele dia. De norte a sul, há tradições que teimam em manter-se e as grandes cidades, como Lisboa e Porto, ficam mais despidas no fim de semana da Páscoa, por causa das habituais viagens ‘à terra’.
‘Beijar a cruz’ A Páscoa divide o mapa quando se fala em tradições. Mais a norte, o ritual repete-se todos os anos e quem vive a época nas aldeias já sabe de cor os horários daquele fim de semana. Na sexta-feira vão chegando os tios, os primos, os sobrinhos às aldeias e vilas e cidades. E, atenção, na Sexta-feira Santa é proibido comer carne e há até quem se chateie se vê o outro a comer uma fatiazinha de fiambre.
O Domingo de Páscoa começa cedo e há que vestir a melhor roupa, afinal a visita pascal, ou ‘Compasso’, tem também de começar cedo, pois é preciso dar a volta à terra inteira. Normalmente, o padre vai acompanhado por membros da igreja e acólitos, que o auxiliam nas visitas de casa em casa. Batem à porta e têm as famílias em prontidão e em silêncio, à espera, para o ouvir. Consigo, o padre traz um pequeno sino, uma cruz e um pote de água benta para abençoar o lar. Toda a gente dá um beijo na cruz, até os mais novos. Depois, vêm os salpicos de água benta que acabam sempre por molhar o chão. Mas o ritual não termina aqui, porque a seguir está a sala ou a cozinha com uma mesa recheada de queijo, doces, bolos e vinho para a comitiva pascal. Antes da hora da despedida há também o habitual envelope – dinheiro que cada casa doa à igreja. E é sempre assim, em todas as casas. Aliás, há quem tenha de ‘beijar a cruz’ em várias casas, porque há que ir a casa dos tios, dos avós e de todos que decidam abrir a porta. A visita pascal pode ser antes ou depois de almoço, depende da localização de cada casa, mas a hora de almoço é um momento de convívio que nenhum dos elementos da família quer perder. Cabrito ou coelho – são as duas opções na ementa, dita a tradição.
Procissão da burrinha Durante a Semana Santa, multiplicam-se as procissões na cidade de Braga. O programa cultural é extenso e o município de Braga deu até tolerância de ponto aos serviços municipais por causa das festividades. Mas é na quarta-feira que os habitantes saem à rua e se juntam para ver a procissão de Nossa Senhora da Burrinha. São cerca de 700 figurantes que ajudam a recriar a história que vai desde o Antigo ao Novo Testamento. Nas janelas, há pessoas que atiram arroz e pétalas para os que passam. E a imagem de Nossa Senhora do Egito vai em cima de uma burra, animal este que treina várias horas por dia para o grande cortejo. Este desfile é visto todos os anos por milhares de pessoas que se deslocam propositadamente para participar ou simplesmente para ver esta tradição medieval, recuperada no final dos anos 90.
Comer no campo Preparar o borrego e comê-lo no campo – é assim que se celebra a Páscoa no Alentejo. Há cada vez menos pessoas a fazê-lo, é verdade, mas há quem queira manter viva esta tradição. Mata-se o borrego durante a Semana Santa, prepara-se durante o fim de semana e, na segunda-feira, as famílias preparam um piquenique para comer o borrego no campo, muitas vezes junto às barragens, porque a vista também conta na hora da refeição. É por isso que no Alentejo é normal que se trabalhe na Sexta-feira Santa, para se poder ter a segunda-feira de descanso.
Chocalhos e sinos “Toquemos agora”, diz o padre dentro da igreja. E as pessoas usam os chocalhos e sinos que levaram para fazer barulho. Ora, estes objetos são utilizados sem restrição durante o Sábado de Páscoa em Castelo de Vide, Portalegre. Durante a Quaresma, os sinos e chocalhos são retirados dos animais para permitir o silêncio durante esses quarenta dias. Mas no dia que antecede o Domingo de Páscoa, como os animais não podem entrar na igreja, as pessoas levam os chocalhos para a missa, onde são acompanhados, claro, pela banda filarmónica convidada para o evento.
Há também uma tradição na Páscoa que não tem regiões definidas e engloba padrinhos e afilhados. No domingo de ramos, os afilhados oferecem um ramo de flores aos padrinhos e no domingo seguinte é a vez dos padrinhos oferecerem uma prenda aos afilhados.
E há ainda o jogo do ‘Reza!’ – no Domingo de Páscoa o primeiro a mandar rezar um familiar tem direito a reclamar deste, perdedor, um saco de amêndoas.