“Em nome dos estudantes de Coimbra, peço a palavra”. A frase de Alberto Martins, à altura presidente da Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra, foi dita faz hoje, a 17 de abril, 50 anos tendo sido este o gatilho para despertar a luta das capas negras, com a crise académica de 1969, a começar na Universidade de Coimbra (UC). O protesto que, para muitos, foi um dos embriões da Revolução de Abril e que, mais tarde, levou à queda do reitor da UC, António Gouveia, e do ministro da Educação, José Hermano Saraiva.
Nesse dia, o Presidente da República, Américo Thomaz, acompanhado pelo então ministro da Educação, José Hermano Saraiva, rumaram à UC para inaugurar o edifício do Departamento de Matemática.
Foi aí, durante a inauguração marcada para as 10 horas, que Alberto Martins, ex-ministro da Justiça que à data frequentava o 3.º ano da licenciatura de Direito, interpelou Américo Thomaz que lhe negou o uso da palavra. “Bem, mas agora fala o senhor ministro das Obras Públicas”, respondeu o último Presidente da República do período do Estado Novo, que “interrompeu a sessão sem a encerrar e sai de debandada” do edifício, recorda ao i Alberto Martins.
Uma resposta que não caiu bem aos estudantes, quando a contestação já se fazia sentir nas ruas. À chegada da capital portuguesa dos estudantes – Coimbra é a 16.º universidade mais antiga do mundo, fundada em 1290 – a comitiva do Presidente da República foi recebida por capas negras com estudantes a empunhar cartazes em protesto.
Depois de Américo Thomaz ter impedido a intervenção de Alberto Martins, os cerca de 1500 estudantes que se encontravam no átrio do edifício reagiram com uma “explosão de aplausos” e gritaram repetidamente: “Queremos falar! Queremos falar!”, relatou ao i o ex-dirigente da associação de estudantes que foi líder parlamentar da bancada do PS.
Com o apoio dos estudantes e com a comitiva de Américo Thomaz fora do edifício, Alberto Martins acompanhado por outros dirigentes da associação académica, como Celso Cruzeiro, Barros Moura ou Carlos Batista acabaram por falar. “Fomos nós que fizemos a verdadeira inauguração do edifício das matemáticas. E a comitiva podia ouvir os discursos porque os altifalantes estavam ligados para o exterior do edifício”, relata Alberto Martins, hoje com 73 anos. Durante o discurso, o ex-líder dos estudantes recorda que chamou à atenção para “problemas da universidade” onde se incluía a “expulsão de vários professores”.
“Foi um dia muito marcante e muito difícil para mim” com horas de “muita ansiedade”, acrescenta ainda o ex-ministro que horas depois foi preso.
A detenção
Pelas 2 horas da madrugada, quando vinha a sair da associação de estudantes, Alberto Martins foi “abordado por sete elementos com crachá e pistola” tendo sido levado para a sede da polícia política, a PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). “Passei a noite a ser interrogado” e a pedido dos professores da universidade foi concedida amnistia ao líder dos estudantes, o que travou o processo-crime que podia resultar entre um a três anos de prisão.
Alberto Martins acabou por ser libertado na manhã do dia seguinte, ainda a tempo de assistir à Assembleia Magna dos estudantes que estava marcada para as 12 horas. Nessa reunião ficaram definidas várias ações de protesto que arrancaram quatro dias depois.
O clima de “tensão” continuava no ar e a 22 de abril oito estudantes da UC foram suspensos e proibidos de frequentar as aulas. A resposta dos estudantes foi com greves às aulas e aos exames, que se arrastaram durante meses, e a associação académica decretou luto em Coimbra.
No final da primeira semana de protestos, a 30 de abril de 1969, o ministro da Educação, José Hermano Saraiva, pede a demissão.
Foi então que a UC fecha e a associação de estudantes publica uma “Carta à Nação” com os estudantes a considerar a instituição “retrógrada” e “elitista” e que não “respondia aos problemas da sociedade”. Nessa altura, conta Alberto Martins, Portugal era um país “analfabeto, pobre e subdesenvolvido”.
A luta dos estudantes teve ainda o apoio do futebol. A 22 de junho, dia em que se disputou a final da Taça de Portugal, entre a Académica e o Benfica, os estudantes entraram a passo, de cabeça baixa e com a capa caída sobre os ombros no Estádio do Jamor.
Para evitar confronto dos protestos, o Presidente da República, o presidente do Conselho e o ministro da Educação optaram por não assistir ao jogo. O que, até ali, nunca tinha acontecido.
Hoje, para assinalar o 50.º aniversário da crise académica, a Universidade de Coimbra tem preparados vários eventos, com uma cerimónia evocativa no edifício dio Departamento de Matemática, onde decorreu o confronto entre Américo Thomaz e os estudantes. Vai ainda decorrer, pelas 16 horas, o lançamento de um CD e livro de José Afonso e antes, pelas 12h45, será descerrada uma placa evocativa.