É o primeiro estudo a quantificar o impacto da poluição do ar na doença asmática pediátrica e os autores acreditam que há motivos para rever os limites de dióxido de azoto (NO2) definidos pela Organização Mundial de Saúde, dado que a maioria dos novos casos surgem em localidades que até cumprem os requisitos. Uma equipa da Universidade de George Washington, nos Estados Unidos, acredita que a inalação deste gás, cujas concentrações no ar resultam sobretudo da queima de combustível, está por detrás de quatro milhões de casos anuais de asma em crianças e jovens até aos 18 anos, contribuindo assim para 13% dos casos que surgem a cada ano. Entre as crianças portuguesas, a estimativa é de cerca de 3200 novos casos anuais de asma associados à poluição rodoviária.
O estudo foi publicado esta quarta-feira na revista científica “The Lancet Planetary Health”. Para obter as estimativas, os investigadores cruzaram indicadores de poluição ambiental e concentrações de dióxido de azoto bem como informação relativa à incidência de asma na população pediátrica de 194 países, tendo analisado ainda 125 grandes cidades. Se em média a inalação de NO2 foi associada a 13% dos novos casos de asma que surgem nestas idades, há países onde a poluição poderá explicar uma fatia muito maior da doença. É o caso de oito cidades chinesas, Moscovo ou Seul, onde o fumo dos tubos de escape estará a contribuir para 40% dos casos de asma em crianças. Em termos absolutos, a China é o país onde se estimam mais casos de asma em crianças associados ao NO2 – 760 mil por ano. Segue-se Índia (350 mil) e Estados Unidos (240 mil). A equipa concluiu ainda que 64% dos novos casos de asma a nível mundial surgem em zonas urbanas, que são também as que congregam a maior parte da população. Mais surpreendente foi perceber que 92% dos novos casos pediátricos de asma surgem em áreas do globo que já cumprem as orientações da Organização Mundial de Saúde quanto aos limites de dióxido de azoto, atualizados em 2005. “Apesar da diminuição substancial das concentrações de NO2 na última década em grandes áreas dos EUA e Europa Ocidental, as nossas conclusões sugerem que os níveis existentes de poluição ambiental são um fator de risco substancial para a incidência de asma pediátrica tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, sobretudo nas áreas urbanas”, lê-se no estudo. “A orientação da OMS para as concentrações anuais médias de NO2 pode precisar de ser revista”, conclui a equipa, sublinhando que políticas que mitiguem a poluição do ar terão “múltiplos benefícios” para a saúde.
Fumo passivo, alergias… e tubos de escape Um dos pontos de partida para o trabalho foi o facto de a prevalência de asma em crianças ter aumentado de forma significativa desde os anos 50, tornando-se a doença não transmissível mais frequente em idade pediátrica, escrevem os autores.
Pattanun Achakulwisut, autora principal do estudo, disponibilizou ao i os dados para Portugal, que não surgem de forma detalhada no artigo publicado na revista do grupo Lancet embora o país tenha sido incluído na análise. A estimativa é de 3200 novos casos por ano (com um intervalo entre 1400 e 4100), e uma incidência de 170 novos casos/ano por 100 mil crianças, o que coloca o país no grupo dos que têm uma realidade ainda assim menos problemática. “Há muitos fatores de risco diferentes que podem levar ao desenvolvimento de asma, incluindo fumo passivo e alergénios”, explica a investigadora. A estes, juntou-se nos últimos 15 anos a preocupação com o impacto da poluição causada pelo tráfego automóvel. Se diferentes gases têm sido estudados, a autora diz que a evidência mais robusta aponta para o perigo do dióxido de azoto, daí terem-se focado neste gás. “Revisões recentes conduzidas pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA e pelo Ministério da Saúde do Canadá concluíram que há uma ‘provável uma relação causal’ entre a exposição a longo prazo ao NO2 e o desenvolvimento da asma pediátrica”, relata.
O que pode ser feito em termos de prevenção, desde logo pelas famílias? “Os pais podem tentar reduzir a exposição das crianças tentando evitar as estradas mais congestionadas, mas acreditamos que este é um problema de saúde pública que exige ações para além do nível individual”, responde Pattanun Achakulwisut.
A investigadora elenca um conjunto de políticas que podem ser seguidas com ganhos para a saúde. “A promoção do transportes público elétrico, a expansão do acesso a ciclovias seguras e trilhos de corrida reduziriam a poluição do ar e contribuiriam para melhorar a saúde das crianças. Além disso, este tipo de medidas trazem benefícios para a melhoria da atividade física e da saúde mental, além de reduzirem a emissão de gases com efeitos de estufa”, defende. “São políticas de ganho mútuo que podem trazer melhorias drásticas para a qualidade de vida.”
Lisboa e Porto excedem limites Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero e professor na Universidade Nova de Lisboa, diz que este estudo vai ao encontro do que têm sido as preocupações de quem segue esta área. “Até agora o que se sabe é que há poluentes que agravam a asma e este é um deles”, afirma, explicando que os veículos a gasóleo são os principais responsáveis pelas emissões de dióxido de azoto.
As medições feitas em Portugal não são tranquilizadoras. “Onde estamos a ultrapassar os limites de emissões em Portugal é no NO2, sobretudo em Lisboa e no Porto, nos sítios de maior tráfego automóvel”, diz Francisco Ferreira, dando o exemplo do centro da capital. “A nossa média anual é de cerca de 50% acima do valor limite definido pela União Europeia na Avenida da Liberdade e depois ainda há picos ao longo do ano.”
A solução, defende, tem de passar por retirar tráfego dos grandes centros urbanos, ao mesmo tempo que se muda a composição da frota automóvel para privilegiar veículos elétricos e a gasolina. Com o primeiro Dia Nacional do Ar à porta – a data assinala-se em Portugal pela primeira vez esta sexta-feira – Francisco Ferreira sublinha o atraso do país em políticas concretas que promovam a qualidade do ar e diminuam os impactos sobre a população. “Temos estado a melhorar muito pouco. É bem vindo o Dia do Ar, mas precisamos de concretizá-lo, assim como à Estratégia Nacional para o Ar para 2020, em políticas e medidas, principalmente nas grandes cidades. Precisamos de começar a pensar em zonas de zero emissões, começando por locais bem servidos de transportes públicos.” A Baixa de Lisboa poderia ser palco dessa mudança, propõe Francisco Ferreira. “Podíamos ter a distribuição de mercadorias através de transporte elétrico e durante determinadas horas ir começando rua a rua limitar o tráfego”.