Os do Estado e os outros


Em Portugal há diferenças abissais entre quem trabalha na área pública e quem depende do privado, enquanto pelo mundo fora se verificam novas tendências em várias áreas de atividade.


1. As profissões ligadas ao Estado português vão recuperando o tempo e as promoções congelados em virtude da crise económica resultante da gestão Sócrates/Teixeira dos Santos, que conduziu à vinda da troika e à necessidade de pedirmos um empréstimo de 78 mil milhões de euros que nunca mais acabamos de pagar e que bem falta fazem à economia e ao investimento público. Com a melhoria das contas nacionais, procura-se recuperar algumas penalizações salariais. Os professores são os mais ativos na luta pelo tempo perdido, estimulando outros setores. Do outro lado da sociedade, há os privados. São os que não têm quem os proteja hierarquicamente nem enquadramento sindical ou corporativo que permita fazer pressões. Os privados puros e duros não têm praticamente defesa. Perderam empregos, levaram cortes, ganham mal, não têm trabalho fixo e andam ao sabor da economia e dos patrões. Tenham ou não um contrato definitivo ou sejam precários, têm muitas obrigações e poucas regalias. Apenas no topo das empresas privadas (e mesmo assim) se encontram exemplos de gente muito bem paga e com estabilidade. Não admira, por isso, que em Portugal como em muitos países da Europa, nomeadamente em França, o desejo de estabilidade económica proporcionada pelo Estado ou empresas a ele ligadas seja um fator de preferência para trabalhar. Mesmo com a existência de contratos individuais na área pública, a verdade é que a segurança é profundamente diferente num lado e noutro. Percebe-se, mas é importante que a situação seja gradualmente corrigida. E não é necessariamente tornar tudo igual, o que nunca acontecerá. Deve perceber-se que, no Estado, um contrato do quadro é um fator essencial para que o funcionário não seja pressionado, por exemplo, a nível político pelas suas chefias, e disponha de independência. O que é preciso é caminhar no sentido de uma situação mais equilibrada. Que não haja dentro do Estado diferenças tão grandes e que quem está na privada deixe de estar tão exposto à exploração, com poucas hipóteses de defesa.

 

2. Por falar em desprotegidos, é fundamental olhar para a situação em que se encontram os reformados. Os que foram apanhados pelo efeito de fatores de sustentabilidade e penalizações continuam a sofrê-las às mãos de Vieira da Silva, da geringonça, com o beneplácito do Bloco e do PCP, que na realidade nada fazem para alterar a situação, além de barulhos simbólicos e cúmplices. Os próximos tempos de campanha eleitoral deveriam obrigar a que cada um trouxesse para debate público as suas estratégias e compromissos relativamente à situação dos mais velhos da nossa sociedade, para que estes votem informados.

 

3. “Em política, o que parece é”. Atribuída a Salazar, a frase ganhou rara atualidade com o “familygate” do governo António Costa. Não há mais nada a acrescentar. E não vale a pena tentar–se transferir o problema para o Parlamento porque o que está em causa são nomeações feitas pelo governo, a quem compete integrar a matéria no código de conduta que já existe.

 

4. Na caminhada da defesa do ambiente, muitas coisas vão mudar. Uma delas será a utilização excessiva do avião, sobretudo em viagens muito curtas, de cerca de uma hora. Notícias recentes mostram que as companhias low-cost (por exemplo, a Ryanair) são das entidades mais poluidoras. Há, por isso, uma estratégia para as penalizar pelas emissões de carbono, estando mesmo a nascer uma corrente ecológica que pretende combater o recurso ao avião. Outras informações referem também a TAP como fonte de poluição por causa do crescimento de emissões de carbono, resultantes do aumento de voos, que contribuem para o efeito de estufa. A eventual generalização desta nova consciência terá inevitavelmente consequências. Portugal pode ser afetado enquanto país que recebe muitos voos curtos e médios a partir da Europa, trazendo milhares de visitantes que vêm em turismo, em trabalho ou em situações mistas, como congressos e incentivos. O mundo muda muito depressa e não podemos dar por adquiridas situações a título permanente. Se uma tendência antiavião se desenvolver de facto, o que faremos com o Montijo se ele alguma vez existir? E como adaptar a nossa oferta? É melhor começar a pensar já no assunto.

 

5. Os americanos são geniais a inventar negócios. Nos EUA há dois milhões de pessoas que vivem de descobrir e comprar artigos em supersaldos, em grande quantidade. Depois recompõem as embalagens e voltam a colocá-los no mercado através da Amazon, gerando lucros apreciáveis. Para terem a certeza de que estão a fazer boas compras, usam simplesmente telemóveis e consultam os preços dos mesmos artigos no momento, na Amazon. Às vezes, a diferença é abissal. Há jogos que no verão pouco valem e que quintuplicam o preço no Natal. Uma televisão europeia reportou este novo negócio, entrevistando uma família que apresentava lucros de 400 mil dólares num ano. Há já quem tenha descoberto outro filão: dar formação aos que estão a iniciar- -se nesta atividade. A Amazon reagiu bem à iniciativa porque cobra 15% de comissão de venda e só tem o trabalho de armazenar e expedir o material.

 

6. Na crónica da semana passada referia-se erradamente aumentos de 4,7% dados por José Sócrates à função pública. Na realidade, foram 2,9% de aumento geral (uma medida brutalmente eleitoralista), havendo, porém, bastantes casos que atingiram os valores referidos através de aumentos laterais, promoções e reclassificações.

 

Escreve à quarta-feira